top of page

Resultados de busca

270 resultados encontrados com uma busca vazia

  • Por que liberais fazem a curva à esquerda?

    O segundo turno de qualquer pleito eleitoral é marcado por apoios: políticos e personalidades diversas aparecem e declaram voto em determinado candidato que mais se assemelha às suas convicções, fazendo que com seus admiradores elejam o tal político. Inclusive os concorrentes perdedores do primeiro turno articulam com seus partidos qual será o melhor caminho a seguir a partir daí. Nestas eleições o presidente Jair Bolsonaro recebeu apoio de vários políticos: os governadores eleitos Romeu Zema (NOVO) e Cláudio Castro (PL), além do governador de São Paulo Rodrigo Garcia (PSDB) tornaram público que estão à direita na segunda etapa da eleição. Na classe artística, chamou a atenção a união de vários artistas sertanejos em prol da reeleição de Bolsonaro: Leonardo, Zezé Di Camargo, Sula Miranda, Gusttavo Lima, Chitãozzinho e a dupla Henrique e Juliano se reuniram em Brasília, no palácio do Planalto, e em entrevista coletiva à imprensa pediram aos fãs que reelejam o presidente. Na ala vermelha da força, os apoios não surpreenderam, a priori: Fernando Henrique Cardoso, tucano raiz, já se posicionou a favor do petista, Simone Tebet (MDB) decidiu ficar contra o agronegócio (que Lula chamou de “fascista”) e foi para o lado esquerdo, juntamente com Ciro Gomes (PDT). Contudo, um grupo de pessoas surpreendeu ao declarar apoio ao descondenado petista: liberais econômicos. Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda do governo FHC), Elena Landau (ex-assessora da presidência do BNDES e ex-diretora da área responsável pelo Programa Nacional de Desestatização do governo FHC) e o movimento liberal LIVRES expuseram sua escolha por Lula. Esses movimentos trouxeram uma interrogação: como que liberais econômicos podem apoiar alguém que, quando esteve na presidência, roubou bilhões dos cofres públicos? Como ninguém trouxe essa explicação, me permito esclarecer esta dúvida. Primeiro, gostaria de esclarecer: o conservador já é liberal economicamente falando, porque entende que o Estado deve ser mínimo, e não inexistente. Contudo, via de regra, o liberal não é conservador; muitos pensam que esta classe, por defender a Economia, está do lado direito da força, e não é assim. O maior exemplo que temos em solo brasileiro é o Movimento Brasil Livre (MBL), que vendeu uma imagem de direita liberal, mas chegaram a fazer manifestação juntamente com Ciro Gomes em 2021. E por que os liberais tomam esta atitude? Um dos motivos é a culpa: há um clamor promovido por uma classe “intelectual” para uma chamada “sociedade mais justa”. A esquerda prega que a “classe burguesa” é quem promove a desigualdade, pois concentra a renda. O que esse grupo faz para “aliviar” esta culpa? Investe seu dinheiro em movimentos de esquerda, que alegam trabalhar por esta “justiça social”.E como acontece a “lavagem cerebral” para que liberais ajam dessa forma? O saudoso professor Olavo de Carvalho, em seu artigo “Direto do inferno” (disponível no livro “O mínimo...”), mostra quem são os agentes da culpa: “Os cientistas sociais, os psicólogos, os jornalistas, os escritores, as ‘classes falantes’ (...) são forças de agentes da transformação social, as mais poderosas e eficazes, as únicas que têm uma ação direta sobre a imaginação, os sentimentos e a conduta das massas.” As “classes falantes” contaminam a massa, o povo; o povo se rebela; a esquerda acusa os ricos; e os ricos, com peso na consciência, contribuem para a “causa”. A esquerda “elogia” a postura, a “classe falante” propaga e o povo compra a ideia. E assim, o sistema se autoalimenta. O liberal possui um pensamento que resume-se a uma palavra: dinheiro. Notem a postura destes que estão ao lado de El Cachacero: não levam em conta a questão moral, a falta de caráter, o rombo nos cofres públicos, enfim. Em contrapartida, ao levantarem-se em favor do ex-presidiário, citam a expressão “democracia”. Vamos analisar de qual “democracia” eles sentem falta. Em 2014, o jornal Valor Econômico publicou um levantamento com base em dados dos 50 maiores bancos: os lucros foram de R$ 279,9 bilhões durante todo o governo de Lula, contra R$ 34,4 bilhões durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso. O Valor Econômico analisou ainda outro indicador que, segundo a reportagem, pode comparar com mais precisão os balanços nos dois períodos. Considerando a rentabilidade média sobre o patrimônio líquido, os bancos continuam ganhando mais no governo Lula, cujo indicador é de 20,1%, do que no FHC (7,04%). Ele mede o quanto os bancos estão tendo em retorno sobre o capital que investiram (patrimônio). O adversário eleitoral Ciro Gomes chegou a dizer que o Partido dos Trabalhadores (que irônico, não?) transferiu mais dinheiro aos bancos do que aos pobres:“R$ 4,88 trilhões, no período em que o Lula deu as cartas do poder brasileiro, foram transferidos para os bancos, via juros. E, R$ 332 bilhões foram transferidos para os pobres no Bolsa Família. Isso é uma coisa concreta.” Agora, trago um recorte do jornal Esquerda Diário, que, por incrível que pareça, trata deste assunto com honestidade intelectual, mostrando que a relação de Lula com a alta classe é antiga: “A política de facilitação de crédito, como a redução do dinheiro que os bancos têm que deixar depositado nos bancos, resultou numa liberação massiva de reais no mercado. Em 2002, o crédito disponibilizado no país era de R$ 380 bilhões, em 2010, chegou a R$ 1,6 trilhões. Isso se transformou em ‘o aumento do poder de compra dos brasileiros’, ao passo que o salário médio dos trabalhadores não representou esse salto. Com o constante aumento da inflação, acompanhado do aumento dos juros, o que foi chamado de ‘poder de compra’ dos trabalhadores, era o aumento da parte do salário que ia para o bolso dos banqueiros. Nunca os banqueiros lucraram tanto no país. Em 2011 calculou-se em torno de R$ 200 bilhões (sem corrigir com a inflação atual, o que elevaria esse valor) nos 8 anos de Lula. Com grande parte do salário dos trabalhadores destinado aos cofres dos bancos, mesmo numa crise econômica, os bancos continuam aumentando seus lucros. Todas as políticas que beneficiaram estes banqueiros tiveram como resultado o endividamento em massa.” Liberais geralmente viram à esquerda porque lhes falta a bússola moral para reger a vida moral. O professor Olavo explica isso em seu artigo: “Por que não sou liberal”: O liberalismo é a firme decisão de submeter tudo aos critérios do mercado, inclusive os valores morais e humanitários (...) O liberalismo é um momento do processo revolucionário que, por meio do capitalismo, acaba dissolvendo no mercado a herança da civilização judaico-cristã e o Estado de direito.” Aqueles que não possuem uma régua moral para se guiar acabam cooptados pelo discurso progressista de lutar pela “justiça social” e alimentam o monstro que irá devorá-los, mais dia, menos dia.

  • Cátaros, Políticas Sociais, Preconceitos e Constituição

    Há muito tempo surgiu a doutrina gnóstica, ensinava que no princípio dos tempos existiu uma divindade perfeita, continha em si tudo o que existe. De um instante para outro, este todo deu início a um processo constante de partição em pedaços iguais, em essência, e opostos em acidentes. Deste processo surgiram masculino/feminino, claro/escuro, o alto e baixo etc. Segundo estes teóricos, também de um instante para outro, a partição produziu uma partícula diferente, os demais pedaços da divindade primeira, que antes se julgavam iguais, ao ver a partícula diferente perceberam que não eram completos, faltava-lhes algo que estava presente na partícula diferente. Isto desintegrou a divindade, suas partículas se dispersaram e prosseguiram o processo de partição interminável. Para conter a desintegração da divindade, surgiu um ente, o Demiurgo, que criou a matéria e dentro dela aprisionou as partículas divinas. Interrompeu o processo de desintegração através do aprisionamento das partes do divino. Neste processo há uma divindade boa, o todo inicial, e um Deus mau, o criador da matéria. O paganismo fundava-se nesta doutrina, a matéria era má porque aprisionava do divino que precisava, a qualquer custo, libertar-se para tentar trilhar um caminho de retorno à unidade original, à plenitude. O platonismo é mostra clara desta cosmovisão. Platão, em Fedon, afirmou categoricamente estar seguro do avanço que lhe traria sua transferência para junto dos deuses que são excelentes amos, por isso não se revolta com a ideia de morte, pelo contrário, tem esperança nela. Por isto, as crianças deveriam ser educadas para temer a morte o menos possível e tornarem-se adultos corajosos para lutar pela liberdade mais do que pela própria vida. Depois deste pensador, Cristo ensinou que não existe “início”, como dizem os gnósticos, Deus é infinito, não há princípio nem fim, ademais existe somente um Deus. É bom, não comporta partições, é simples no sentido de unidade, personificação, cuja vontade difusora de amor criou a matéria. No Cristianismo a matéria é dom, essencialmente boa, por isso a defesa da vida é a primeira lei natural. No cristianismo a liberdade é valor fundamental. Esta é uma das mensagens advindas da crucificação de Cristo, que além da revelação de fé, sobre ressurreição de corpo e alma para os que se empenham em viver a ordem de valores por ele ensinada, nos ensina que a liberdade, inclusive direito de expressão da verdade, exige coragem e grandeza de personalidade. O Homem deve empenhar-se na vivência das virtudes. O gnosticismo pagão se infiltrou na igreja de Cristo através de diversas seitas inclusive dos maniqueístas e sobretudo dos cátaros. Estes pregavam a mortificação do corpo, a autoflagelação, eram contra o casamento pois produzia mais matéria, os filhos, novos cárceres da alma, centelha divina aprisionada. Nessas circunstâncias, achavam preferível o amor livre e matavam mulheres, sobretudo as grávidas. Profanavam os templos e cultos católicos pois não aceitavam a existência humana como um bem, nem que Deus houvesse se encarnado em Jesus. O suicídio era o ponto alto da doutrina cátara como forma de libertação da partícula divina presa na carne. Violavam a primeira lei natural, basilar para o catolicismo: preservação da vida. Sua conduta produzia indignação social e reações em que tanto os cidadãos quanto o poder político secular, os agrediam e matavam violentamente. A desagregação social que produziam era tamanha que há quem defenda que se sua doutrina se tornasse universal devia levar a extinção da raça humana. Os cátaros marcaram vivamente o simbolismo da realidade material do homem como um mal, cuja malignidade era insuperavelmente maior na mulher em face de sua natural fecundidade, capacidade de reprodução. A doutrina era oposta à orientação católica de elevada distinção da dignidade da mulher, que o Novo Testamento traz a lume através do escrito descritivo do primeiro milagre de Jesus Cristo. Nesta oportunidade, a mãe de Jesus, ao pedir-lhe que intercedesse pois havia faltado vinho na festa onde estavam, Este respondeu: “Mulher, o que existe entre nós? Minha hora ainda não chegou.”. De imediato, atende seu pedido e transforma água em vinho. Ao enfatizar a palavra mulher, Jesus revela e ressalta que a mulher é capaz de dar causa à vontade divina de realização do bem, tem força suficiente para vencer obstáculos: “minha hora ainda não chegou”. O pedido de uma mulher move a vontade de Deus. A simbologia da mulher transmuta-se de subserviência ao maligno, comum às ideologias gnósticas, para a intercessora de bênçãos junto a Deus Filho. Os movimentos sociais que posteriormente expressaram a igualdade entre homens e mulheres, inicialmente em face da lei e posteriormente em direitos e obrigações, assim como proteções específicas relativas a maternidade, partem da orientação Cristã. Assim também as normas constitucionais proibitivas de qualquer tipo de discriminação do ser humano. Seguiram-se a estes movimentos as inserções normativas constitucionais de reconhecimento de igualdade, entre homens e mulheres, de modo que a variação de sexo é acidental, incidente sobre uma mesma substância denominada espécie humana6. A igualdade de que tratam as normas modernas, em especial a Constituição brasileira, é a igualdade essencial. Nesta senda, reza o inciso I, artigo 5º que reconhece a igualdade, em direitos e obrigações, para homens e mulheres. É esta mesma essencialidade comum à espécie humana que autoriza a Constituição da Republica de 1988 a reconhecer, no artigo 5º, que todos são iguais perante a lei. Refere-se à igualdade essencial da qual são acidentes a cor da pele, o comportamento religioso a forma de exercício da liberdade individual etc. Enfim, o Estado brasileiro registra, na Constituição, a herança ancestral ocidental que se estruturou através da transposição do paganismo grego para o cristianismo. É este o fundamento de sua orientação sistêmica de respeito à dignidade humana como espécie. Esta cosmovisão que se crava na Constituição brasileira e traz como elemento a confiança na autonomia individual para gestão do próprio destino, tem o mesmo sentido utilizado pela União Europeia e expresso em um de seus documentos gerentes de desenvolvimento econômico: apoio aos compromissos de geração de emprego e estímulo à aprendizagem para que o crescimento individual seja resultado do esforço próprio de superação das dificuldades individuais e motor do desenvolvimento nacional. Nesta linha de entendimento, a Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, no inciso IV, artigo 1º que o trabalho e a livre iniciativa são fundamentos do Estado e associa a esta premissa o objetivo de Estado de desenvolvimento nacional na forma do inciso II, artigo 3º. O artigo 3º da Constituição da República traz como único instrumento de ação, para alcance dos objetivos de Estado, o desenvolvimento nacional, é de se entender que os demais objetivos serão alcançados através dele. Nesta linha, o objetivo estatal de solidariedade, expresso no mesmo dispositivo, também se subsume ao instrumento de desenvolvimento nacional. O que se impõe ao Estado, objetivamente, é o desenvolvimento. Este, abriga o fomento à geração de empregos, ao livre empreendedorismo, ao sistema de aprendizagem, à estabilidade emocional através da harmonia social e segurança, bem como o cuidado com a saúde. É fundamental ter em mente a realidade atestada historicamente de que o desenvolvimento sócio/econômico somente se potencializa impulsionado pelo aumento da diferenciação acidental. Esta observação produziu a assertiva de que a evolução cultural, com a civilização dela decorrente, trouxeram a diferenciação, riqueza crescente e grande expansão da espécie humana. Nestas condições, o dever estatal de promoção do desenvolvimento nacional para geração da sensação de bem-estar interno exige o fortalecimento da percepção individual de igualdade essencial, simultaneamente, com o favorecimento à diferenciação acidental. É a realidade que se apresenta como condição de execução de qualquer competência Estatal de desestímulo à discriminação estabelecida pelo inciso IV, artigo 3º da Constituição. Por seu turno, o dever de facilitação da aprendizagem inclui o favorecimento do acesso a informações técnicas, associadas ao fomento do reconhecimento da igualdade essencial da espécie humana, tanto quanto o crescimento da virtuosidade humana. É assim por causa da revelação, efetivada pela História de que a moralidade, reflexo de condutas virtuosas, foi o elemento determinante para a civilização atual, pois foram os grupos que seguiram suas regras que conseguiram multiplicar-se e enriqueceram em relação a outros grupos. O estímulo, do Estado, ao fortalecimento da virtuosidade humana é condição de desenvolvimento nacional que coopera para a construção da justiça social estabelecida pelo inciso I, artigo 3º da Constituição. O dever de desenvolvimento da virtude humana é imperativo civilizacional e condição de realização do objetivo Estatal de superação de preconceitos como determina inciso IV, artigo 3º da Constituição. Ao Estado brasileiro, por imposição constitucional, compete edificar um ambiente interno favorável ao progresso individual, técnico e de caráter, resultante do empenho próprio de cada cidadão. O fomento ao crescimento individual é atividade de Estado basilar para geração do desenvolvimento nacional, como decorrência natural do esforço conjunto da população brasileira “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, parágrafo único, artigo 1º da Constituição brasileira. Para realizar os ensinamentos da História, as políticas públicas e ações de grupos privados fundadas em diferenças acidentais precisam ser desestimuladas e substituídas por outras que fortaleçam a igualdade essencial. O sistema normativo orienta para o estímulo à aprendizagem técnica associada ao crescimento das virtudes humanas, pois o que gera bem-estar individual, harmonia social e prosperidade é a cooperação de todos com base na confiança advinda da virtuosidade do comportamento humano. É importante despregar-se das garras da contradição de ressaltar a diferença acidental com o discurso de promoção do bem de todos. O bem comum somente repousa no colo da igualdade essencial, única possibilidade de igualdade humana nesta terra e único caminho de destruição das discriminações. Os símbolos da doutrina cátara ainda estão vivos no mundo moderno, escondem-se e revelam-se em imagens, obras de expressão plástica, interpretações de teatro, música e que, subliminarmente, ressaltam diferenças acidentais dos seres humanos como instrumento de geração de antagonismo social. A associação da imagem da mulher à malignidade é apenas um exemplo da vitória do vício da crueldade, estimulado através do fortalecimento das desigualdades acidentais como fundamento para desavenças, sobre o mandamento cristão de caridade humana, alcançável apenas com o desenvolvimento equilibrado da virtuosidade individual. Este movimento parte, necessariamente, do reconhecimento e fortalecimento da igualdade essencial da espécie humana. As políticas, ou legislação infraconstitucional, de suporte social precisam evitar vivamente fundar-se em desigualdades humanas acidentais e permanentes para passar a apoiar-se em realidades transitórias, que permitam mobilidade dos integrantes dos grupos beneficiados. São exemplo deste segundo tipo os habitantes de determinados espaço, as pessoas que se encontram desacompanhadas no sustento de suas famílias etc. As normas infraconstitucionais e políticas públicas, ou privadas, fundadas em desigualdades humanas acidentais permanentes são desagregadoras porque apoiam-se sobre o binômio algoz/vítima. São contrárias ao objetivo estatal de desenvolvimento nacional, porque essencialmente discriminativas. A premissa sob que se fundam nega diretamente o reconhecimento da igualdade essencial do homem. O discurso de redução de desigualdades sociais e da discriminação através de ações de avivamento das desigualdades acidentais do homem é contradição interminável. Tal comportamento labora sobre o engano, esconder-se em promessas de correção de circunstâncias históricas ou condição social quando o resultado por elas produzido é a animosidade interna entre os cidadãos. Tais ações atraiçoam, porque prometem o que, potencial e intencionalmente, não são capazes de concretizar. Findam por aprisionar à infindável dependência do Estado, os indivíduos para quem dizem buscar tutela. Entrava-lhes a dignidade e a confiança individual na própria capacidade de superação da realidade desvantajosa. Nestas circunstâncias, para alcance do desenvolvimento nacional, o sistema constitucional determina que a realização dos objetivos de Estado se operem através da utilização de instrumentos verdadeiramente capazes de concretizá-los. São os recursos, reafirmativos da dignidade humana, fundados no reconhecimento da essencialidade igual do homem, em sua capacidade individual de superação de dificuldades e de contribuição para o desenvolvimento comum. O engano, mentira e a traição que se escondem na base das ações que se pretendem redutoras da discriminação e das desigualdades sociais, mas se fundam no fortalecimento das desigualdades acidentais permanentes, surpreendentemente estão presentes na etimologia da palavra diabo. Para os gregos, diábolos é aquele que engana, traiçoeiro, e para os latinos diabolus é o espírito da mentira, personificação do mal. Será por esta causa que a Constituição da República é avessa às ações e políticas de fortalecimento das desigualdades acidentais permanentes? Ou será, simplesmente, porque o constituinte conhecia a doutrina gnóstica de que a partição dos essencialmente iguais os transforma em opostos e provoca a desintegração da divindade? Será que nossa Democracia constitucional resiste a partições dos essencialmente iguais? Deus nos ajude!

  • História de Campos do Jordão

    Imagem: https://www.cidadeecultura.com/historia-campos-do-jordao/#:~:text=Com%20o%20falecimento%20de%20Ign%C3%A1cio,origem%20ao%20nome%20da%20cidade. Por ordem real, com o objetivo de transportar o ouro de minas de Itajubá (MG), em 1720, foi aberto um caminho por Gaspar Vaz, que saía desde o Vale do Rio Sapucaí até Pindamonhangaba (SP). Apesar de o caminho Ter sido fechado, Gaspar Vaz estabeleceu-se na região, transformando-a em importante centro comercial de gado. Em 1771, Inácio Caetano Vieira De Carvalho, também atraído pelos encantos da região, resolver aqui se estabelecer. Em 27 de Setembro de 1790, por meio de carta do Governador da Capitania de São Paulo, obteve sesmaria. Após 1825, a gleba foi vendida ao Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, ficando, o lugar que era denominado “Os Campos”, conhecido como “Os Campos do Jordão”. Em 1874, as terras foram adquiridas por Matheus da Costa Pinto, que fundou o povoado de São Matheus do Imbiri, atual Vila Jaguaribe, justa homenagem ao Dr. Domingos Nogueira Jaguaribe, que introduziu importantes melhoramentos no povoado, hoje marco da fundação de nossa cidade. No início deste século, devido ao clima com alto nível de oxigênio, aliado a baixas temperaturas, a região passou a ser referência no tratamento de tuberculose, criando, a partir de então, diversos sanatórios. A cidade, nesta época, passou a atrair médicos e pacientes de todo o país, muitos deles políticos influentes e grandes empresários. Em razão de longos períodos de tratamento que a doença exigia, muitos fixaram residência e trabalho na cidade, colaborando com o desenvolvimento da região. Domingos José Nogueira Jaguaribe, médico, político, escritor e fundador do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, interessou-se pela região, que já ganhara notoriedade e, em 1891, comprou boa parte das terras de Matheus da Costa Pinto. Então, dividiu em lotes para venda, nos quais foram construídos pensões e hotéis para receberem doentes da tuberculose e do alcoolismo. Em 1918, a vila passou a ser chamada de Vila do Jaguaribe, em homenagem ao morador que trouxe progressos para o local. Abernéssia, famoso bairro que hoje abriga diversas atrações turísticas, igrejas, lojas e avenidas, teve início com a vinda de um escocês, o engenheiro Robert John Reid, que, por volta de 1907, foi nomeado agrimensor na ação judicial de divisão da Fazenda Natal. Recebeu, como pagamento pelos seus serviços, uma vasta área de terras na região. Em 1915, Vila Nova passou a ser chamada de Vila Abernéssia, nome da chácara em que Reid viveu, como homenagem ao morador ilustre. O nome Abernéssia foi criado pelo próprio Reid, fazendo alusão às cidades escocesas Aberdeen e Inverness. Pela Lei nº 2.140 de 01/10/1926, Campos do Jordão transformou-se em Estância Hidromineral. Em 1938, o então interventor federal Adhemar de Barros, encantado com a paradisíaca natureza local, decidiu construir, além de sua casa de campo, uma sede de veraneio do Governo do Estado, em Campos do Jordão. Depois de levantadas as paredes e coberto o “Castelo”, como era chamado pelo povo, permaneceu o prédio fechado por 26 anos. A construção só foi concluída em 1964. Nesse mesmo ano, era inaugurado o Palácio da Boa Vista, contando com a presença do Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Branco, anfitrionado pelo Governador Adhemar de Barros. No período de 1967 a 1971, o Palácio Boa Vista foi muito explorado em eventos culturais, principalmente em exposições de artes plásticas brasileiras da época pré-modernista e da fase compreendida entre 1913 (ano da primeira exposição de Lasar Segall) e 1950, quando a Pinacoteca do Estado começou a adquirir obras de artistas modernos, o que significou a admissão oficial da arte contemporânea em nosso País. Nessa época o palácio torna-se Museu e Monumento Público, sem, entretanto, perder suas funções de veraneio. Em 1969, o então governador Abreu Sodré, por solicitação de seu Secretário da Fazenda, Luiz Arrobas Martins, cedeu espaço no saguão interno do palácio para apresentações de música erudita. No ano seguinte, foi criada uma Comissão Organizadora dos Concertos de Inverno de Campos do Jordão, com a pretensão de promover na cidade programas idênticos aos grandes centros turísticos da Europa e Estados Unidos. Devido ao sucesso desses eventos culturais, que passaram a ser frequentes, os espetáculos exigiam a criação de um espaço mais amplo e independente para abrigar um número cada vez maior de expectadores. Em 1979 foi inaugurado o Auditório Campos do Jordão, mais tarde denominado Auditório Cláudio Santoro. O complexo é dotado de 900 confortáveis poltronas numeradas, modernos sistemas de calefação, iluminação e acústica, além de um palco com capacidade para apresentação de grandes orquestras. Em 1998, a Secretaria de Estado da Cultura, que administra o auditório, construiu uma concha acústica para apresentações ao ar livre de música popular. O festival é considerado atualmente um dos mais respeitados concertos de música erudita e de câmara de toda a América Latina. Por ter característica climáticas e paisagísticas semelhantes a de várias regiões da Europa, Campos do Jordão passou a receber construções com arquitetura típica dos alpes suíços, espalhadas por praticamente todo o seu território. Não é à toa que Campos do Jordão foi batizada carinhosamente de "Suíça Brasileira". O município tem como principal atividade econômica o turismo e é um dos principais destinos de inverno do Brasil. Brigadeiro Jordão “Era amigo do Imperador D. Pedro I e fez parte do Governo Provisório. Naquela época, foi incluído entre os 10 maiores proprietários de terras da Província de São Paulo, chegando a ser diretor do Tesouro da Província. Alguns historiadores localizam-no no famoso quadro de Pedro Américo, alusivo ao Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, quando este subia a Serra de Santos. Ademais, o local da Proclamação da Independência do Brasil, no Ipiranga, ficava na Fazenda Palmeiras, de propriedade do brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão”. Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania N.º 24 Fontes:https://www.camposdojordao.tur.br/historia https://www.cidadeecultura.com/historia-campos-do-jordao/#:~:text=Com%20o%20falecimento%20de%20Ign%C3%A1cio,origem%20ao%20nome%20da%20cidade.

  • A Quarentena e os Bandos

    Temos vivido a tal quarentena que remete a quarenta, mas, na verdade, é por período indeterminado. Dizem que estamos presos, mas não há prisão capaz de conter a infinidade de atividades que podemos desenvolver num mesmo espaço físico e, sobretudo, não há meios de aprisionar a nossa capacidade de pensar, criar, desenvolver habilidades, interagir, ser solidários e expressar amor. Então o que nos incomoda exatamente, nesta situação de afastamento social? O primeiro pensamento que me ocorre é que estávamos habituados à ininterrupta tentativa de fazer o mundo e tudo que nele há, funcionar a favor de nossos interesses individuais, que escolhemos a partir de nossa baixíssima capacidade de percepção da realidade existencial, de nossa condição individual dentro da circunstância coletiva e sobretudo de nossa identidade: o que somos aos nossos próprios olhos? A que servimos? Que destino estamos imprimindo aos dias que se nos apresentam de presente? Modernamente, reduzimos o tamanho de nossas famílias, não moramos mais todos juntos, avós, filhos, tios e netos, achamos que esta forma de convivência dificultava os relacionamentos, cada um precisa fazer conformar o mundo ao seu modo de vida, começamos a considerar que as presenças afetavam nosso direito à privacidade. Afrouxamos os laços de convivência e os parentes que estavam conosco nas refeições e nas conversas do fim do dia passaram a ser vistos com dia e hora marcados, cada vez mais esporadicamente, perdemos a noção fundamental de bando original, a família em sua estrutura mais larga. Tentamos substituir essa convivência familiar pela convivência social mais adequada ao propósito comum de conformação do mundo aos nossos interesses. Como um grande número de pessoas convencionou que esta era a maneira adequada de viver, formamos um grupo imenso de pessoas com o modo de proceder semelhante, um bando substitutivo do bando original, a organização familiar inicial. No bando original, estávamos mais próximos dos exemplos ancestrais que reforçavam a aceitação do outro, a tradição familiar favorecia da aceitação individual pela semelhança, portanto, os papeis que representávamos estavam mais vinculados a nossa realidade interna, a nossa essência, à verdade do nosso eu. No bando substitutivo os papeis, precisaram ser reconstruídos para atendimento da expectativa comum de conformação do mundo aos nossos interesses individuais, ganharam uma padronização de certo e errado de acordo com esse propósito, não havendo a partilha de emoções familiares a sustentar a aceitação mútua como no bando original, precisamos de padrões de certo e errado mais uniformes para sermos aceitos pelo novo bando. Nos afastamos muito da verdade do nosso eu para nos encaixarmos neste bando substituto, e o afastamento incluiu a supressão de atividades que destinávamos ao embelezamento de nossa essência como o tempo dedicado às artes, a leitura, à contemplação à comunicação com o divino e à convivência com os que nos eram essencialmente semelhantes e partilhavam a mesma história ancestral. Empobrecemos nossa essência, por falta de tempo. Talvez seja este o mal-estar coletivo que tantos comentam, deixamos de ser quem somos e de estar com os que nos são semelhantes. A quarentena suprimiu os espaços para representação dos papéis destinados à conformação do mundo aos nossos interesses, desmanchou os palcos e, sobretudo, enfraqueceu os vínculos com o bando substitutivo, por isso emergiu uma sensação de abandono, no sentido etimológico da palavra: a – ban – dono, “a” prefixo de negação; “ban” indicativo de bando e “dono” referente a senhorio. A ideia de que resultamos abandonados, sem bando e sem dono, nasce porque nos afastamos do bando original e o bando substitutivo não existe mais, tal como o vivenciávamos. A pandemia atual parece nos reconduzir ao bando original e à redução da convivência para nos restringirmos aos mais semelhantes a nós, semelhança é elemento que favorece a aceitação natural, se for assim, penso que tendemos a desenvolver papeis mais verdadeiros, mais próximos de nós mesmos. O hoje confirma que o mundo é naturalmente inconformista, é ele que estabelece as regras para desfrute da vida que ele generosamente nos presenteia, tomara que esta pausa nos habilite à humildade, à gratidão pelo seu acolhimento e generosidade para conosco, nos habilite à reverência incondicional à vida, ao embelezamento de nossa essência e ao reconhecimento da sacralidade da existência para merecer estar vivo . Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania N.º 25

  • Onde está a sua esperança?

    Semana de Natal. Neste ano, tudo está sendo atípico: não tenho visto janelas iluminadas com as luzes tradicionais, não está acontecendo aquela famosa correria de fim de ano para as compras da ceia ou de roupas novas para usar na festa; estamos em um limbo repleto de incertezas, o que faz com que as pessoas, ainda que não demonstrem, estejam preocupadas com o que o amanhã reserva. Há patriotas ainda acampados nas portas dos quartéis, outros em Brasília, depositando todas as suas fichas em uma única ação. Os que não estão acampados por diversos motivos, estão assistindo as movimentações da transição e quase tendo uma síncope a cada anúncio de possíveis ministros: já temos na lista Fernando Haddad, Flávio Dino, Margareth Menezes, Rui Costa. De fato, isso é pior que um pesadelo! Porém, venho através deste artigo para fazer uma pergunta: onde está a sua esperança? Há aqueles que já a perderam, e eu não julgo. Mas nem tudo está perdido. Para o Brasil? Para o seu Estado? Para o mundo? Não! Para você! “Dani, como assim? Então quer dizer que não devo mais lutar?” Nada disso! Mas me permita explicar como que o discurso global esquerdista se infiltrou no meio dos conservadores e cristãos. Como age o meio progressista? Através do coletivismo: eles não dizem que querem ajudar os pobres, mas “acabar com a pobreza”; eles não falam sobre atuar nos bairros para promover conscientização ambiental, mas em “discurso global contra emissão de gazes, contra o agro, etc.”. Ou seja, eles NUNCA tratam do individual ou local, mas do global; isso faz com que a dominação seja mais fácil de se conseguir. Além disso, o discurso global não leva em conta as especificidades de cada lugar e do grupo de pessoas que ali residem. Agora, percebam que este é o discurso que tem se infiltrado aos poucos no meio conservador: “precisamos salvar o Brasil!”. Óbvio que devemos lutar pelo melhor para o nosso país, mas este discurso coletivista, em vez de nos fortalecer, esvazia nossas forças. O Brasil é um país continental, com necessidades diversas, como que eu, um ser pequeno, conseguirei esta tarefa hercúlea? Simples: se cada um salvar a si mesmo. E apenas com o Evangelho isso é possível! “Ih, lá vem ela com esse discurso religioso...”. Nada disso! Não trago aqui discurso religioso, mas de realidade! Não temos condições de salvar o mundo, mas podemos (e devemos!) salvar a nossa alma. No momento mais difícil para o povo de Israel – o cativeiro babilônico – Jeremias escreveu: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança” (Lamentações 3.21). O profeta entendia que não dava para mudar aquela situação externamente, mas dentro dele; uma coisa que aprendi na igreja é: quando mudamos a visão, mudamos a condição, e isso deve acontecer primeiro dentro de nós. Quem já teve a oportunidade de viajar de avião sabe que a aeromoça dá várias instruções em caso de emergência, e uma delas é: “Em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão automaticamente (...) Auxiliem crianças ou pessoas com dificuldade SOMENTE APÓS TEREM FIXADO A SUA”. Não temos a menor condição de ajudar alguém se estivermos mal, e não podemos “salvar o Brasil” se nós mesmos não estamos! Trato aqui de salvação da alma, mas não apenas disso. Se sua casa estiver desajustada, se seu casamento estiver mal, se você não tem disciplina com suas atividades, não conseguirá salvar um país inteiro! Jordan Peterson, psicólogo clínico canadense, em sua obra “12 regras para a vida”, deu a lição 6 o título “Deixe a sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo”. Se eu fosse a autora da obra seria: “Salve a sua alma antes de salvar o mundo!”. Nosso Senhor já havia “dado a dica” quando disse: “Mas buscai PRIMEIRO o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas.” (Mateus 6.33). A maior esperança que podemos ter em meio a este caos que assolou o Brasil é saber que Nosso Senhor é com aquele cujo coração já lhe foi entregue. Já falei algumas vezes e repito: a política não é um fim em si mesma. Ela é necessária enquanto vimemos neste mundo, porém não deve nortear a nossa vida a ponto de abandonarmos nosso convívio familiar e, acima de tudo, com Deus. E: a guerra é espiritual. Se todo o problema fosse simplesmente político, o presidente Jair Bolsonaro não teria dificuldades em resolvê-los; e guerra espiritual não se vence com discurso, mas de joelhos dobrados. Independente da situação que vier, o lema que nosso presidente nos ensinou, na ordem que está, é que fará a diferença: DEUS, FAMÍLIA, PÁTRIA E LIBERDADE. Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania N.º 25

  • Os piratas do norte e o rei Alfredo

    Quando brilhou o primeiro raio de luz do dia 06 de maio de 878 o Reino de Wessex assistiu, aterrado, a mais um ataque dos piratas do norte. Não satisfeitos com os saques que realizavam na costa, em especial a pilhagem de mosteiros cristãos, decidiram dominar a Grã-Bretanha. O Grande Exército Viking já havia invadido e vencido os outros três reinos da região, Northumbria, Anglia Oriental e Mércia, até que a banda comandada por Guthrum realizou um ataque definitivo em Edington. A carnificina que envolvia suas conquistas empestava o ar. Famosos pela barbárie da violência que empregavam contra os outros povos, dominavam uma técnica de tortura e execução especial. Punham de joelhos suas vítimas e cortavam-lhes as costas até alcançar as costelas. Quebravam-nas e viram-nas ao contrário, a pavorosa imagem assumia a aparência de assas. Por fim, arrancavam-lhes os pulmões pelas costas. Esta ferocidade era conhecida como “águia de sangue”. Haviam invadido a região da Europa e marcado a queda do Império Romano do ocidente, cujos Senhores mais abastados fugiram das cidades e instalaram-se em grandes propriedades no interior. A população os seguiu, pois os assombrava o pavor de serem trucidados pelos bárbaros. Nestas terras mais afastadas das cidades, entabularam um juramento: os senhores acolheriam a população em suas propriedades, lhes concederiam o direito de cultivo da terra e a defenderiam dos ataques e invasões dos germanos. Em troca, a população produziria alimento para sua mantença. Este pacto fundamentou os feudos nascidos da desagregação do império. Na região da Grã-Bretanha ainda não havia sido necessária a formação de feudos, até esta fatídica manhã de 06 de maio de 878 quando os campos revelaram uma imensidão de guerreiros invasores. Haviam chegado à costa em uma grande armada de navios-dragão, langskip, cujas proas eram encimadas pela imagem da cabeça da temida serpente marinha Jormugand. Acreditavam que ela era gigantesca, seu comprimento circundava a terra, e que mordia a própria cauda para formar um anel em torno do mar. Os navios eram compridos e estreitos como a serpente. Possuíam um calado estreito dotado de uma quilha o que lhes permitia cruzar oceanos e navegar em rios sem que os nórdicos precisassem trocar de embarcação. Eram dotados de pares de remos, por vezes até 36 pares, e os guerreiros sentavam-se em suas próprias bagagens para remar. O impulso dos remos se acrescia ao das velas, o que produzia grande agilidade de navegação, favorecia o ataque e a fuga nas emergências. Alfredo, O Grande, rei de Wessex havia sido enganado pelos nórdicos em um tratado anterior quando pagou para que eles deixassem o reino em paz. Foi traído, em pouco tempo os ataques recrudesceram. Quando veio o ataque em Edington, as forças guerreiras do rei eram diminutas comparadas com o exército inimigo. Alfredo e seus homens haviam lutado com todas as suas forças mas este ataque dos vikings havia sido de tal violência que praticamente aniquilou a resistência anglo-saxônica, os nórdicos começaram a comemorar a vitória. O rei de Wessex, devoto de Nossa Senhora, diariamente recorria a Ela e formulava pedidos de ajuda e inspiração. Conta-seque neste dia em que a derrota mais uma vez se abatera sobre seu exército, Alfredo retirou-se para rezar, abatido pelo fracasso e pelo sofrimento que rondava o destino de seu povo. De joelhos e mãos postas pediu orientação à Mãe de Deus, nesta meditação perdeu a noção do tempo. Ao abrir os olhos avistou, no alto, uma Senhora radiante mas com uma profunda tristeza estampada nos olhos. Trazia sete espadas cravadas em seu coração, mas com força, determinação e bravura empunhava a oitava. Estupefato, Alfredo teria lhe perguntado se deveria ainda resistir, se seus homens poderiam voltar para casa ou se os germanos matariam a todos com requintes de crueldade. A Virgem haveria respondido que, é dever de seus filhos seguir no escuro e manter a alegria no coração, cientes de que Ela caminha com os seus e que o brilho fulgurante de Deus se mostra aos que perseveram no caminho da verdade e da justiça. Alfredo voltou para o grupo e, com energia renovada, teria dito: levantem guerreiros, vamos atacá-los, Nossa Senhora lutará conosco! Os poucos homens do exército de Alfredo Guerrearam com todo vigor e, inacreditavelmente, venceram os Piratas do Norte. Graças a esta vitória a Grã-Bretanha não precisou de feudos para livrar seu povo dos bárbaros. Caminhemos nós também, meus irmãos, com força, determinação e bravura. Coragem! Mesmo no escuro mantenhamos a alegria no coração! A verdade e a justiça sejam nossas guias, para que possamos alcançar a graça de ver a Luz. Deus nos ajude!

  • Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil

    Neste ano de 2022 comemoramos o bicentenário da Independência do Brasil, ou seja, no dia Sete de Setembro celebraremos os duzentos anos do famoso ‘grito do Ipiranga’, “Independência ou Morte!”. A Revista Conhecimento & Cidadania preparou para você leitor, três textos introdutórios imediatamente anteriores a esta edição ( José Bonifácio, O Patriarca , Leopoldina, Um Coração de mulher e Pedro de Alcântara, A impetuosidade liberalizante ) , de caráter biográfico e pretende oferecer agora uma visão ampliada do cenário dentro e fora do Brasil, que acompanhou o processo de nossa Independência, processo que se estendeu de 1821 a 1825. Iniciaremos esclarecendo que o Sete de Setembro é atualmente a nossa data oficial, porém já foi comemorada em outra data, ou seja, o dia doze de outubro que era o dia do nascimento de D. Pedro I e foi também o dia de sua aclamação como imperador do Brasil. Para alguns estudiosos do tema, o dia vinte e nove de agosto de 1825 seria a data mais correta para a celebração, visto que naquela data foi assinado o Tratado do Rio de Janeiro, firmado entre o Brasil e o Reino de Portugal, reconhecendo nossa Independência de maneira oficial. Ainda durante o segundo reinado o dia doze de outubro foi substituído pelo Sete de Setembro, para dissociar o evento da figura do imperador, garantindo a impessoalidade do fato (impessoalidade que viria posteriormente se tornar um princípio constitucional). Fato é que só muito posteriormente o Sete de Setembro se tornou oficialmente o Dia da Independência por meio da Lei Federal número 662 de sete de abril de 1949. O quadro que ilustra este artigo é obra do pintor Pedro Américo, executada em 1888 é uma representação artística e idealizada do fato ocorrido sessenta e seis anos antes nas proximidades do Riacho do Ipiranga em São Paulo. Por ser uma representação, não segue necessariamente o rigor histórico, mas pretende antes atender a um interesse. O quadro serve de reforço à construção de um sentimento de identidade nacional, fundamental à existência e manutenção de uma nação. A rememoração dos fatos, a celebração dos ícones e o culto aos mitos fundadores, todos são elementos constituintes do que poderíamos chamar de ‘processo de criação do sentimento de brasilidade’. Os soldados presentes no cenário representariam a Imperial Guarda de Honra de D. Pedro I, criada a partir do famoso Dia do Fico, entretanto o fardamento remete aos trajes de gala da tropa, assim como a indumentária de D. Pedro I. Em ambos os casos estariam inadequados aos eventos retratados. De igual modo, a utilização de cavalos para o trajeto Santos-São Paulo seria inviável, preferindo-se o uso de mulas. Como dissemos não é o objetivo de uma representação artística, atender aos rigorismos históricos de uma obra escrita, mas antes atender ao seu objetivo de comunicação com o observador. O ‘Grito do Ipiranga’ pode ser entendido como o clímax de um processo de separação política entre o reino do Brasil e os reinos de Portugal e Algarve. Esta afirmação é parcialmente correta como veremos adiante, mas não pode ser associada necessariamente à conquista ou à manutenção das liberdades em nosso país. Crer na Independência como um fim em si mesma, ou que esta caminha de mão dadas com a liberdade, é fechar os olhos às transformações impostas pelo tempo, pela natureza e pelos homens. Na brilhante citação atribuída a Thomas Jefferson, alertando que “o preço da liberdade é a eterna vigilância” , é que planaremos sobre os eventos dos idos de 1822, buscando perceber o quanto os fatos se interligaram, criando uma tela onde podemos apreciar como que estáticos, o tempo e os entes que inauguraram os nossos frágeis tempos de liberdades. Durante as décadas recentes, diversas obras literárias buscaram representar a Independência do Brasil como uma dádiva que não contou com a viva participação do povo. Apresentou-se por muito tempo os colonizadores portugueses exclusivamente como exploradores, usurpadores de riquezas e genocidas das etnias nativas. Reduzir o período colonial à obra de párias portugueses que legaram apenas destruição, morte, atraso e fracasso, tem criado, fortalecido e mantido um sentimento de vergonha ou de não identificação com a própria história que só tem causado danos ao país. A expressão cunhada por Nelson Rodrigues, o “complexo de vira-latas” define bem o desencanto a que foi levado o imaginário popular brasileiro. Quando falamos em processo de independência, normalmente nos remetemos também à todas as revoltas anteriores que de alguma forma questionavam a autoridade portuguesa sobre alguma parte de nosso país. Há que se diferenciar as de viés nativista e as separatistas. No primeiro caso, buscavam se opor ao poder das autoridades locais sem pretender a autonomia da colônia como um todo. No segundo caso os objetivos eram mais abrangentes, ainda que iniciados a partir de um ponto de vista restrito aos seus locais de origem. Em todos os casos é inadequado supor a possibilidade de qualquer identificação coletiva da população ao que viria a ser o Brasil. Tínhamos regionalismos pujantes e um nacionalismo em estado de gérmen. Assim, elencamos dentre as nativistas a Revolta de Beckman (1684), a Guerra dos Emboabas (1708 a 1709), a Guerra dos Mascates (1710 a 1711) e a Revolta de Filipe Santos (1720). Dentre as separatistas temos a Inconfidência Mineira de 1789 e a Conjuração Baiana de 1798. Não é correto entender estes eventos nativistas ou separatistas como preparatórios e cumulativos para chegarmos à independência em 1822, porque de fato não eram integrados àquele sentimento de identidade nacional anteriormente citado e não representavam ainda um pensamento único e estruturante. Nossas revoltas ocorreram paralelamente e sendo subsidiárias de eventos externos que as influenciaram. Os ideais iluministas, que apesar do controle exercido pela coroa portuguesa, vinham chegando ao Brasil trazidos pelos brasileiros que voltavam dos estudos na Universidade de Coimbra, despertavam algum senso de liberdade. A própria Independência das colônias britânicas na América do Norte em 1776, seguida da Revolução Francesa em 1789, demonstravam que o absolutismo monárquico estava sendo afrontado na prática e não mais de modo restrito ao campo das ideias. Não podemos esquecer que a Revolução Haitiana de 1804, a argentina em 1810, do Paraguai em 1811, do Chile em 1818, México e Peru em 1821, mostravam de modo inquestionável que o fenômeno das independências se tornava generalizado e que o Brasil não passaria ao largo de tantos eventos sem colher em seu próprio solo os frutos das sementes de liberdade. Nenhum destes eventos isoladamente pode explicar a Independência do Brasil, mas vistos com o necessário distanciamento, afirmam positivamente a inserção do Brasil em um cenário regional de independências. A Ascensão do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves em dezesseis de dezembro de 1815, promovida por D. João VI, anos após a chegada da estrutura administrativa do império português ao Brasil, está diretamente relacionada à ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder na França em 1804 e a posterior ameaça de invasão a Portugal. Do ponto de vista administrativo, não faria sentido manter instalada a sede do reino de Portugal em uma colônia, daí a solução de elevar o status administrativo do Brasil a reino unido. A questão a ser destacada é que esta elevação não passaria sem deixar seu legado. A instalação de tribunais, nomeação de juízes, todo um conjunto de elementos formais da burocracia estatal, incluindo funcionários, cargos e outros acessórios passariam a fazer parte da sociedade brasileira. Em 1820 a Revolução Liberal do Porto escancara alguns pontos importantes para a história de Portugal, mas que interferiram diretamente na história do Brasil. Desde 1815 com a prisão de Napoleão, findo o governo dos Cem Dias, ficava clara que a causa da permanência de D. João VI no Brasil, em companhia de importante parte da administração do império estava encerrada. Do ponto de vista dos remanescentes portugueses, o retorno do rei era mais que justo, era prioritário. Tal retorno vinha sendo adiado, entre outras razões de estratégia política de D. João, também porque o rei havia desenvolvido muito apreço pelo Brasil e por sua permanência aqui. Somente com o início da Revolução de 1820 é que ficou evidente que não retornar representaria a real possibilidade da perda definitiva do Reino de Portugal. Assim, em vinte e seis de abril de 1821, D. João VI chega à Lisboa, deixando D. Pedro de Alcântara como príncipe regente do Reino do Brasil. O retorno do rei a Portugal não era a única petição dos revoltosos. A elaboração e efetiva aceitação de uma Constituição liberal, também estavam previstas e foram formalizadas em setembro de 1822. Para além da alteração do status de governo, passando de uma monarquia absolutista para uma monarquia constitucional liberal, era também pretensão das cortes portuguesas que o reino do Brasil deixasse de existir e que suas províncias se reportassem diretamente ao governo de Portugal. Se recordarmos de toda a estrutura criada e já citada para o funcionamento do Brasil enquanto Reino Unido a Portugal, compreenderemos o impacto desta medida na vida social e política do Brasil. A permanência do príncipe D. Pedro no Brasil, reforçada e entendida como uma afronta direta às cortes e seus ideais, no episódio do ‘Dia do Fico’, colocava o Brasil no centro das atenções metropolitanas. Urgiria recrudescer e impor ao Brasil as decisões partidas de Lisboa, onde D. João VI já se encontrava como rei de direito, mas não completamente de fato. Em 1822 o Brasil se encontrava dividido quanto ao alinhamento às duas causas que se apresentavam: a aquiescência às ordenações vindas de Lisboa ou a ruptura completa em relação a Portugal. Os setores vinculados ao funcionalismo administrativo, aos tribunais locais e setores econômicos que vinham se beneficiando (e ao país) com a liberdade do comércio conseguida com o fim do ‘exclusivo colonial’, apoiavam a permanência de D. Pedro e a possível ruptura. Por outro lado, parte dos militares, algumas lideranças políticas regionais visando antes se opor à ascendência de José Bonifácio sobre D. Pedro, que alcançar objetivos maiores ao país, alinhavam-se à Portugal. Mesmo entre os apoiadores da ruptura não existia um consenso com relação à forma de governo, havendo os que defendessem a ruptura em direção direta a uma República, outros defendendo a instauração de um reino independente sob a liderança de D. Pedro e, dentre estes últimos havia os partidários de um poder mais centralizado e outros que defendiam a elaboração de uma Constituição própria para o Brasil, além de mais autonomia para as províncias. Em meio às contendas quanto à forma administrativa, setores das províncias de Minas Gerais e São Paulo ameaçavam rebelarem-se contra a autoridade do Príncipe Regente. Nesse sentido, D. Pedro viajou àquelas províncias para retomar a ordem necessária à solução dos problemas que o país enfrentava. Em meio à viagem pacificadora à província de São Paulo, D. Pedro possivelmente percebeu a necessidade premente de garantir a segurança das fortalezas próximas aos portos mais importantes do Brasil (Santos era o segundo mais importante, precedido pelo porto do Rio de Janeiro). Daí, seguindo em direção a Santos no dia cinco de setembro, inspecionou as fortalezas locais, dando ordens para garantir o abastecimento dos paióis e a prontidão da guarda. No dia sete, ainda a caminho de retorno a São Paulo, D. Pedro recebe as famosas cartas enviadas pela Imperatriz Leopoldina e José Bonifácio, dando conta das últimas informações sobre as atas de assembleias das cortes. Por serem relatos das atas, ainda não representavam ordens vindas de Portugal, mas certamente antecipavam a iminente dissolução do Reino do Brasil e a imposição do retorno imediato do Príncipe a Portugal. Em meio a todas as questões internas e externas que exerciam pressão sobre o Príncipe Regente, conhecedor de todos os processos que se desenvolveram nas antigas colônias espanholas a seu tempo, sabendo por José Bonifácio da iminência de uma revolução que ocorreria à revelia de sua vontade caso se submetesse à cortes, D. Pedro possivelmente se viu em um ‘ponto sem retorno’. A Independência do Brasil ocorreria e quanto a isso não haveria remédio. Vejamos as palavras de José Bonifácio em sua carta: “(...) A revolução já está preparada para o dia de sua partida. Se parte, temos a revolução do Brasil contra Portugal, e Portugal, atualmente, não tem recursos para subjugar um levante, que é preparado ocultamente, para não dizer quase visivelmente. Se fica, tem, Vossa Alteza, contra si, o povo de Portugal, a vingança das Cortes, que direi?! Até a deserdação, que dizem já estar combinada. Ministro fiel que arrisquei tudo por minha Pátria e pelo meu Príncipe, servo obedientíssimo do Senhor Dom João VI, que as Cortes têm na mais detestável coação, eu, como Ministro, aconselho a Vossa Alteza que fique e faça do Brasil um reino feliz, separado de Portugal, que é hoje escravo das Cortes despóticas. (...) Fique, é o que todos pedem ao Magnânimo Príncipe, que é Vossa Alteza, para orgulho e felicidade do Brasil. E, se não ficar, correrão rios de sangue, nesta grande e nobre terra, tão querida do seu Real Pai, que já não governa em Portugal, pela opressão das Cortes; nesta terra que tanto estima Vossa Alteza e a quem tanto Vossa Alteza estima.” A pacificação das desordens em Minas Gerais e São Paulo, a recepção de um abaixo assinado contendo mais de oito mil assinaturas (volume extraordinário de adesões voluntárias para a época), os conselhos de Bonifácio e da Imperatriz, a condição de D. João VI em Portugal, a possibilidade de uma revolução interna que poderia conduzir o Brasil ao esfacelamento de seu território, todas as questões ora apresentadas não deixaram a D. Pedro outro caminho que não fosse agir. “O momento não comporta mais delongas ou condescendências” dizia Bonifácio no início de sua carta, e de fato nada mais restaria a fazer senão lançar fora o adorno de fita azul e branca, representativa de Portugal que seguia preso a seu chapéu e bradar aos membros de sua guarda e acompanhantes: “Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro promover a liberdade do Brasil. Independência ou Morte!”. Estava feita, ainda que de maneira simbólica, mas profundamente representativa, a Independência do Brasil. Refutando as teses que defendem que o processo de Independência do Brasil foi passivo e pacífico, entre 1822 e 1825 ocorreram distúrbios, revoltas e enforcamentos. Bahia, Piauí, Pernambuco, Maranhão e Grão-Pará foram palcos de enfrentamento entre as forças revoltosas locais e as tropas leais a D. Pedro. A independência não se resumiu a um acordo em família e ao pagamento de uma indenização a Portugal. Lutas ocorreram, sangue brasileiro foi derramado e o legado das lutas não pode ser esquecido, mas antes de tudo exaltado. “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” é parte de uma poesia de Cecília Meireles. Liberdade não é um lugar de descanso, liberdade é um exercício ao longo do próprio caminho rumo ao futuro. Nosso sonho de liberdade tem sido alimentado e construído há séculos, foi buscado e defendido por muitos brasileiros antes que nós sequer viéssemos a existir. A liberdade que D. Pedro jurou defender, liberdade que uma vez conquistada, tantas vezes foi ameaçada e defendida. Liberdade, palavra tão abrangente que carrega em si múltiplas possibilidades: de pensamento, de expressão, de fé, de ir e vir, enfim, palavra tão atual e mais uma vez ameaçada. “Cadê a nossa liberdade? Eu prefiro morrer do que perder minha liberdade” disse o Presidente Bolsonaro se referindo à imposição de um suposto passaporte vacinal. Nosso Presidente em sua fala já entendera que vida sem liberdade não é vida, é simulacro de morte. Onde está a liberdade sonhada por José Bonifácio e defendida por D. Pedro? O que faremos nós, herdeiros de um legado tão nobre diante de tantas e insanas ameaças às nossas liberdades? O ano de 2022 se apresenta como ‘um ponto sem retorno’, ou defendemos as nossas liberdades ou o fracasso, a corrupção, a dilapidação do erário nacional em nome de uma utopia despótica e castradora será nossa realidade. A liberdade já foi conquistada, mas deve ser continuamente protegida para não ser perdida. A nós não resta outro caminho que não seja agir, pelas vias democráticas, com senso de identidade nacional, com amor e patriotismo, mas agir. Findas todas as possibilidades, não havendo horizonte além da escravidão e da opressão, ainda assim nos restará por divisa “ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil!”. Vivas o Brasil! Salve Sete de Setembro! Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania  Vol. II N. 18 – ISSN 2764-3867

  • Morro do Castelo

    Vista do Morro do Castelo, tomada do Palácio de festas, de Augusto Malta - 1922. Em 1904, durante a gestão do prefeito Pereira Passos (1836 – 1913), para a abertura da Avenida Central, a ladeira do Seminário e parte do Morro do Castelo foram destruídas, mas foi entre 1920 e 1922, na administração do engenheiro e prefeito Carlos Sampaio (1861 – 1930), que o morro, considerado um símbolo degradado do passado colonial português, foi demolido, por deliberação do decreto de 17 de agosto de 1920 (Jornal do Brasil, 18 de agosto de 1920, quinta coluna).Ao assumir a prefeitura do Distrito Federal, em 1920, Carlos Sampaio deu continuidade à reforma iniciada por Pereira Passos, alguns anos antes, e, sob a égide da modernidade, assinou o decreto que deliberou o arrasamento do morro. A cidade preparava-se para a Exposição Internacional do Centenário da Independência, em 1922, e no espaço antes ocupado pelo Morro do Castelo ficariam instalados os pavilhões e os palácios da exposição, representando a busca pelo ideal moderno em contraposição ao que era considerado o atraso. Desde meados do século XIX, o Rio de Janeiro enfrentava vários problemas urbanos, como a precariedade de habitações, problemas de abastecimento de água e saneamento, além das epidemias que assolavam a população. A reforma urbana do então prefeito Pereira Passos (1902-1906), nomeado pelo presidente Rodrigues Alves (1902-1906), pretendia modernizar e embelezar a capital, modificando a imagem que se tinha do país no exterior. Imbuída de uma visão higienista, a reforma ampliaria as ruas para uma maior circulação dos ventos e poria fim às habitações populares, consideradas insalubres, como medidas de saneamento e de prevenção de doenças, dentre outras medidas. A remodelação urbana era inspirada na reforma realizada pelo barão Georges-Eugène Haussmann, em Paris, no século XIX, com a construção de largas avenidas, e mudaria completamente a fisionomia da cidade. Um dos símbolos da reforma foi a inauguração da avenida Central (atual Rio Branco), em 1905. Um ano antes, ocorria a primeira demolição de parte do Morro do Castelo, passando a ter como limites os fundos da Biblioteca Nacional e a Escola de Belas Artes. Um dado curioso, na ocasião das obras de abertura da avenida Central, foi a descoberta de uma galeria, pela qual se chegaria a túneis subterrâneos, onde os jesuítas teriam escondido suas riquezas, ao serem expulsos por Marques de Pombal, em 1759, ajudando a alimentar uma crença, que existia há séculos, no imaginário dos habitantes da cidade. Por conta desses rumores, inclusive, causava certo temor à população a possibilidade de demolição do morro, minando a esperança de encontrar algumas dessas riquezas. Os cerca de 4 mil moradores do Morro do Castelo eram trabalhadores e pobres e seriam instalados em inicialmente em barracos na Praça da Bandeira. Máquinas e empréstimos no valor de US$ 12 milhões foram contratados para o arrasamento do morro. Outras obras significativas de Sampaio foram o saneamento e aterro da área em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, a atual avenida Epitácio Pessoa; e a construção da avenida Maracanã. Representando o passado colonial do Rio de Janeiro, o Morro do Castelo faz parte da história de fundação da cidade. Foi onde se estabeleceram seus primeiros habitantes e governadores. Era onde estava a sede de sua primeira catedral, São Sebastião e a sepultura de Estácio de Sá. Havia muitas controvérsias sobre o desmonte do Morro do Castelo, alguns se valiam dos argumentos da falta de higiene e do atraso que representava, e que devia acabar porque desfigurava a cidade carioca. Para outros, significava a destruição da própria memória da cidade. Um dos críticos de seu desmonte foi o escritor Lima Barreto, que escreveu um artigo, na revista Careta, de 28 de agosto de 1920, intitulado Megalomania, no qual chamava atenção para o descaso com a precariedade das habitações da população mais pobre, considerando que, por consequência, deixaria milhões de desabrigados. Havia ainda aqueles que questionavam o contrato firmado com a empresa para a execução do desmonte, que atendia a interesses particulares. A ânsia pela modernidade calou as vozes dissonantes e o morro foi por água abaixo literalmente, destruído por um sistema moderno, à época: os jatos d’água, restando apenas os registros de fotógrafos que testemunharam o arrasamento do morro, sobretudo Augusto Malta, fotógrafo oficial da prefeitura da cidade entre 1903 e 1936, que, por meio de suas lentes, capturou as mudanças do espaço urbano da capital, no início do século XX.

  • Os sapiens e o artigo 37 da Constituição de 1988

    Nós, do gênero “Homo” e da espécie “Sapiens”, não somos o resultado de uma sequência evolutiva em que nos precederam os Homo Ergaster, os Homo Erectus e depois os Homo Neanderthalensis, somos espécies diferentes do mesmo gênero, coexistimos, inicialmente, em espaços físicos diversos. Os Neandertais nunca foram os brutamontes que nos disseram, tinham o cérebro maior que o nosso e poderiam ser potencialmente mais inteligentes do que nós. Uma coisa é certa: eles tinham o sentimento de cuidado com o outro, cuidavam amorosamente de seus irmãos de grupo, inclusive dos que apresentavam deficiências físicas, e conviviam harmonicamente com os outros seres de seu habitat natural. Não foram encontradas evidências de que nós, os “Sábios”, fizéssemos isso, ao contrário, abandonamos ou matamos membros de nossos bandos que não conseguiam acompanhar sua marcha. Ainda não se sabe o porquê mas, surpreendentemente, em nossa espécie, operou-se uma revolução de conhecimento, que nos permitiu falar sobre o que não é concreto. Outros seres falam, mas apenas sobre o concreto, avisar ao bando da aproximação de algum predador específico, por exemplo, entretanto, os Sapiens, desenvolveram uma capacidade extraordinária: falar sobre o imaterial, falar sobre o outro, “fuxicar”. Esta linguagem permitiu que os grupos se reorganizassem aglutinando indivíduos que confiavam uns nos outros, permitiu identificar os traiçoeiros, trapaceiros, os que produziam intrigas, para que sua ação desagregadora fosse neutralizada. Formaram-se grupos mais coesos, consequentemente, mais proativos e eficientes que os precedentes. Tudo indica que os bandos tinham uma população de 50 a 150 humanos, a partir deste número, o desentendimento era insuperável, o grupo se desintegrava e formavam-se novos bandos. O surgimento da linguagem sobre o imaterial mudou esta realidade, permitiu a sustentabilidade de grupos maiores porque possibilitou a criação dos mitos que a todos aglutinava pela crença, além dos objetivos comuns de sobrevivência. O imaterial é instrumento de agregação porque é expressão de identidade interior. O aumento do tamanho dos bandos de sapiens foi absolutamente intolerante com a coexistência de outros seres. Esses grupos começaram a migrar para territórios exteriores ao seu habitat natural e, estarrecedoramente, logo após sua chegada ao destino migratório, a vida natural desses ecossistemas sofria uma perda desastrosa. A chegada de Sapiens em territórios virgens coincide com a extinção dos animais de maior porte e da espécie humana natural deste novo espaço ocupado por nossa espécie. Ao que tudo indica, nossa presença, foi letal para os Neandertais, para os Erectus, para os Diprotodontes, para os Lêmures-Gigantes de Madagascar bem como para centenas de seres nativos. Isto aconteceu em todos os locais para onde migramos de modo que a teoria de extinção de espécies em razão de alterações climáticas de nosso lindo Planeta não é mais capaz de ignorar esta desconfortável coincidência e, sozinha, não justifica mais a extinção de espécies da fauna e flora Pré-Históricas. Toda esta História contou-me Noah e parece nos revelar uma importante mensagem para a organização normativo/social do Estado: o homem precisa de instrumentos do Direito, como produto de sua linguagem imaterial, para ajudá-lo a vencer sua incapacidade Pré-Histórica de percepção sistêmica. É esta forma de entendimento da integralidade do existir que possibilita dois resultados fundamentais para a sustentabilidade sócio/política do Estado: a previsibilidade eficiente dos riscos (consequências) do agir imediato e a percepção de integralidade da existência das formas de expressão da realidade na Terra: a vida. A análise dos referidos elementos Pré-Históricos indica que as demais espécies vivas possuem percepção, por recursos naturais diversos da razão, pois tal habilidade é inerente a formas potencialmente mais inteligentes que os Sapiens, como os Neandertais, e está presente também nos demais seres vivos, potencialmente menos inteligentes, ao menos sob a forma que a entendemos: capacidade de aprender e criar. Induvidosamente, falta a nossa espécie esta habilidade natural que possibilita a coexistência harmônica, somente ela permite a sustentabilidade da estrutura Estatal como grupo humano de proporções numéricas inimagináveis para nossos ancestrais e nunca vividas por eles. Nos parece que este é o fundamento do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil ao estabelecer que as entidades e agentes do Estado somente têm autorização normativa para agir em obediência aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Esta norma é arte de nossa habilidade de falar sobre o imaterial, se destinada a suprir nossa incapacidade de autoinserção como parte da integralidade da Terra, é dizer: de embelezarmos o dom da vida. Precisamos realizar este ditame constitucional no dia a dia, para que as gerações mais recentes aprendam a repetir nosso modo de conviver, o ser humano aprende por imitação. Se somos capazes de falar sobre o imaterial, é certo que temos dificuldades de perceber as mensagens imateriais de unidade do existir. Nos disponhamos a cumprir intransigentemente as orientações normativas, imateriais, expressas na Constituição, com a maior eficiência possível, precisamos honrar o distintivo que conferimos a nossa espécie “Sábios” e devemos esta paga de sabedoria a todas as espécies que fomos incapazes de ajudar a partilhar a vida conosco. A tarefa é nossa, aprendamos com os Neandertais!

  • Conceito de Direito pressuposto por uma teoria realista da interpretação jurídica

    Através do presente, propõe-se a busca da explicitação do conceito de direito pressuposto por uma teoria realista da interpretação jurídica, partindo das ideias de São Tomás de Aquino e da ideia de direito para o realismo jurídico. A partir de Santo Tomás de Aquino, pode-se partir em busca do objetivo deste trabalho, na medida em que este entende que o direito, ou o justo, é algo adequado a outrem segundo um certo modo de igualdade, que se dá pela natureza mesma da coisa ou por convenção. O direito é, primordialmente, um fazer humano social, retificado pela justiça e pelas leis, faculdades, decisões ou saberes, que com ele se vinculam. Assim, resta claro que a causa material do direito é a ideia de alteridade, ou seja, a adequação, dirige-se ao outro; enquanto a causa formal é a adequação, que se refere ao dever; dever relacionado à causa final do direito que é a justiça, a qual, por sua vez, é alcançada através da igualdade (o direito é objeto da justiça); e, por fim, tem-se como causa eficiente a natureza ou convenção. Em outras palavras, a causa material do direito é o fazer social do homem, acionar o homem na vida em sociedade, em sua interatividade com o outro. A causa formal, que vai determinar se a matéria é direito, propriamente dito, é a ordenação deste fazer ao bem comum, retificando este fazer através da justiça, objetivando a finalidade da sociedade política. Daí se pode concluir que o direito consiste, essencialmente, em uma medida de ordenação do fazer social do homem. Se o direito é algo que o homem faz visando o seu próprio bem, mais especificamente, seu bem próprio na vida social (vida em comum), pertence, portanto, à ordem prática e deve consistir em um determinado fazer do homem, isso porque o ser humano constrói sua vida, a partir de atos concretos destinados à obtenção dos bens que necessita para sua própria vida, que, à sua vez, está dirigida à perfeição. Esse fazer, essa obra justa, é uma atividade social do homem que está ordenada ao bem comum, através dos títulos jurídicos de outro, daí porque Santo Tomás refere que o direito é obra adequada a outrem. Portanto, o que interessa fundamentalmente ao direito é alcançar a convivência, com suas múltiplas facetas relacionais humanas, encaminhando-se efetivamente ao bem comum através da justiça, significa dizer, que o objetivo do direito é fazer com que a vida social se encaminhe ao bem de todos, tornando possível o desenvolvimento das virtualidades contidas no modo próprio de ser do homem. A razão da existência da ordem jurídica não pode ser a perfeição teórica de suas estruturas formais (leis, instituições, conceitos jurídicos, etc.), mas a perfeição prática, operativa, de seusconteúdos. Não interessa primordialmente a redação perfeita de uma norma, mas sua qualidade em promover relaçõessociais harmônicas. Afinal, o direito existe por causa dos homens, não tem um fim em si mesmo, mas busca a vida boa dos homens, esgotando-se seu sentido em ser um instrumento do aperfeiçoamento social, sem esse fundamento de existência, resta sem razão suficiente. O que interessa, para o direito, é a efetiva ordenação das condutas sociais ao bem do homem em comunidade, o restante é instrumento, meio, que por respeito a outro bem se deseja. Tendo o direito como uma obra justa, evidente que as demais realidades, que também assim são denominadas (lei, sentença, etc.), recebem esse nome em virtude desta obra justa e da relação que guardam com esta. Para a filosofia realista o direito, como já dito, é um fazer humano retificado pela justiça e pelas leis, exigibilidade, decisões ou saberes, que com ele se vinculam, merecendo essa denominação pela relação intrínseca de vinculação que mantêm com essa realidade primária. Dessas, as que em maior medida tendem a ser consideradas como realidades jurídicas fundamentais, são a norma e a exigibilidade. Daí surgem duas concepções extremas, e errôneas, quais sejam, o normativismo e o subjetivismo jurídico. O normativismo é a concepção que identifica a norma jurídica, em especial a lei, com o direito. Neste posicionamento, o direito seria formado por normas que dirigem os comportamentos humanos diante da realidade. Decorrente desta percepção da essência e das fontes do direito tem-se o dualismo da filosofia moderna que separa dois mundos distintos o do espírito e o das realidades, ou em outras palavras, o ser e o fenômeno e dever ser do ser. Uma lei merece assim ser chamada na medida em que contribua para realizar uma ordem social que torne possível o bem viver do homem. Do contrário, que sentido haveria na submissão a uma série de mandatos que imperassem qualquer coisa, sem um fim objetivamente valioso? Assim, o direito não se extrai de uma norma, mas o que o direito é se faz norma, ou na lição de Santo Tomás, a lei não é o direito propriamente dito, mas é certa razão de direito. O que importa é que as leis promovam a justiça na convivência, fazendo com que os homens efetivem essa convivência buscando o bem comum. Assim a finalidade da lei é a obra justa, pois esta é que justifica sua existência e dá razão a seus conteúdos, que permite que a lei seja qualificada como direito. A obra justa, que deve estar contida na lei, evidencia-se, ainda mais, quando se analisa a exigibilidade, pois se alguém tem a possibilidade de exigir uma determinada conduta, assim é em razão de que esta é devida pelo sujeito passivo do vínculo jurídico. Não é devido pelo fato de que se tenha a possibilidade de exigir, mas pelo fato de que determinada conduta é devida. Para que essa conduta se realize, a lei outorga ao sujeito ativo da relação jurídica a possibilidade de exigi-la, por isso, a possibilidade sem a contraprestação seria impensável, seria algo completamente potencial, faltar-lhe-ia finalidade, objetivo e, até, razão de ser. Portanto, o direito pertence à ordem prática, que abrange as coisas que o homem faz para chegar à sua própria perfeição, consistindo numa conduta social do homem orientada pela justiça. Isto, em razão de que o processo, na ordem prática, finda em um ato singular e concreto pelo qual o homem realiza as ações e obras que tornam possível o desenvolvimento das virtualidades contidas na sua essência. No caso do direito, trata-se da existência social do homem e da dimensão comunitária de sua natureza, por isto, o direito é um agir social orientado ao bem comum, bem que constitui o fim próprio da vida societária dos homens. Portanto, o direito pressuposto pela interpretação realista, deve ser expressão desta “coisa justa”, esse “ agir justo”, que dá sentido à própria convivência humana.

  • A gente da terra da vera cruz

    Aos vinte e dois dias de abril de 1500, no ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, “neste dia, as horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à terra – a Terra da Vera Cruz”. Assim nasce o relato histórico ocidental do nosso país, contado pelos nossos irmãos portugueses, através da pena de Pero Vaz de Caminha. Todavia, a história e a presença humana datam de algo em torno de treze mil, podendo chegar a quarenta mil anos a.C. se considerarmos apenas os vestígios deixados pelos ancestrais. Partindo da Doca de Belém no Porto de Lisboa, na foz do rio Tejo a nove de março de 1500, as treze embarcações (dez naus e três caravelas) acabaram se separando, mesmo em face do bom tempo durante a viagem. Em seus quarenta e quatro dias, a viagem conduziu os navegantes ao “achamento” da nova terra. Em sequência o reconhecimento do litoral e posterior ida a Calicute na Índia, onde trocas comerciais representariam altíssimos lucros para a coroa portuguesa e seus investidores. A chegada das embarcações portuguesas ao litoral brasileiro, em região próxima de Porto Seguro foi uma das etapas da aventura lusitana pelos oceanos. Durante muito tempo em nossas escolas, foi ensinado que casualmente os portugueses chegaram ao litoral brasileiro em função de calmarias que haviam desviado o rumo de suas embarcações. Ao considerar o fato de que em sete de junho de 1494, os reis de Portugal e Espanha haviam assinado um acordo de divisão das novas terras descobertas em 1492 (o tão conhecido Tratado de Tordesilhas), por óbvio concluiremos que não se divide o que não se sabe que existe. Sim, em 1500 Portugal tinha plena ciência de que existiam terras e que seu “achamento” seria obra mais de ousadia e bravura do que de ambição egoística. A obra Os Lusíadas de Luiz Vaz de Camões, publicada em 1572 apresentou a seu povo o gigantismo da obra de seus navegadores: “Ó gente ousada, mais que quantas No mundo cometeram grandes cousas, Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, E por trabalhos vãos nunca repousas, Pois os vedados términos quebrantas E navegar meus longos mares ousas, Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, Nunca arados d'estranho ou próprio lenho”. Neste trecho uma segunda figura, semelhante ao Colosso de Rodes, gigantesco monumento erguido em louvor ao deus sol (uma das sete maravilhas do mundo antigo), ressalta a grandeza da obra do povo lusitano, ao ultrapassar os limites do Estreito de Gibraltar e os riscos daquela jornada. No mesmo sentido, o poeta italiano Petrarca, citando o general romano Pompeu, adapta em sua poesia do século XIV a expressão “navegar é preciso, viver não é preciso”. Mais tarde Fernando Pessoa com ares mais filosóficos e romanceados fala sobre si e seu povo na poesia “Navegar é preciso”. “Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: ‘Navegar é preciso; viver não é preciso. Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.” Ainda que narrativas posteriores da historiografia brasileira, sob o viés do materialismo histórico, tenham buscado dar caracteres de dominação mercantilista à chegada do colonizador português ao Brasil, resumindo todas as conquistas territoriais a mero capricho e volúpia por riqueza, Pero Vaz traz à luz a pedra fundamental que deveria nortear a ocupação daquela nova terra: salvar aquele povo, acrescentando aquelas almas à santa fé cristã. "Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, bastaria. Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé. Durante trinta anos a Terra da Vera Cruz permaneceu entregue aos seus ocupantes originais, servindo como entreposto de passagem da rota marítima das índias. Portugal não tinha olhos para o Brasil, nem levou adiante a sinalização de Pero Vaz de Caminha em relação à salvação daquela gente. As expedições de reconhecimento e guarda-costas, limitavam-se a tentar evitar que a França de Francisco I pusesse em risco o incipiente controle do litoral brasileiro. De fato o risco era real em razão da associação entre franceses e os índios tupinambás, além do irônico questionamento feito por Francisco I quando disse que "gostaria de ver o testamento de Adão para saber de que forma este dividira o mundo”. Se em seu nascimento o Brasil tinha base no heroísmo português e herança nas virtudes cristãs, o que ocorreu para além de seus primeiros anos, conduziu a maiores dificuldades em atingir o destino de seu povo. Um dos maiores homens a pisar em nosso solo, José Bonifácio de Andrada e Silva foraprofético em sua visão de futuro, típica dos grandes homens e das grandes mentes.“O Brasileiro será o novo ateniense se não cair na tirania de estado”. Ah o nobre filho desta pátria, se soubesse em quantos momentos o Brasil correria o risco por ele predito, sentiria temor por seu povo: O golpe republicano que interrompeu a inserção dos ex-cativos no quadro de cidadãos da pátria, desejo alimentado por Dom Pedro II e pela Redentora dona Isabel; o golpe de 1930 que prometendo ajustar a República nos entregou de fato nas garras de uma tirania de estado promovida por Getúlio Vargas; o governo irresponsável de Juscelino Kubitschek que afundou o país em crise financeira em razão de seu desenvolvimentismo desenfreado. De fato a lista seria enorme se nos puséssemos a elencar os nomes daqueles que puseram em risco grave o destino da nação, como Jânio, Jango, Brizola e outros tais. Graças a Deus, que jamais esteve apartado do controle de sua nação, apesar dos elementos vis que sempre a ameaçaram, de tempos em tempos, vozes se levantam para repor ao rumo este país e seu inevitável futuro. Em outubro de 1945, o Manifesto dos Mineiros, assinado por advogados e juristas, chamava a publico na forma de uma carta aberta o anseio da população ordeira, trabalhadora e cristã, que prezava por valores conservadores de liberdade e justiça. O objetivo do manifesto era defender a redemocratização do Brasil, pondo fim à ditadura do Estado Novo, comandada por Vargas. Em um de seus trechos assim dizia o manifesto: “Segundo pensamos, união é harmonia espontânea e não unanimidade forçada, convergência de propósitos lúcidos e voluntários e não soma de adesões insinceras. Um povo reduzido ao silêncio e privado da faculdade de pensar e de opinar é um organismo corroído, incapaz de assumir as imensas responsabilidades de correntes da participação num conflito de proporções quase telúricas, como o que desabou sobre a humanidade. Se lutamos contra o fascismo, ao lado das Nações Unidas, para que a liberdade e a democracia sejam restituídas a todos os povos, certamente não pedimos demais reclamando para nós mesmos os direitos e as garantias que as caracterizam. A base moral do fascismo assenta sobre a separação entre os governantes e os governados, ao passo que a base moral e cristã da democracia reside na mútua e confiante aproximação dos filhos de uma mesma pátria e na consequente reciprocidade da prática alternada do poder e da obediência por parte de todos, indistintamente”. Mais uma vez as palavras do passado nos soam como proféticas. Se somadas às palavras de José Bonifácio (anteriormente citado) teremos o tenebroso quadro que se apresenta em nosso horizonte próximo. Ruy Barbosa, um de nossos mais ilustres brasileiros, advogado, jurista, político, escritor e diplomata, também ansiava por justiça em seu tempo. (...) “Saudade da justiça imparcial, exata, precisa. Que estava ao lado da direita, da esquerda, centro ou fundos. Porque o que faz a justiça é o “ser justo”. Tão simples e tão banal. Tão puro. Saudade da justiça pura, imaculada. Aquela que não olha a quem nem o rabo de ninguém. A que não olha o bolso também. Que tanto faz quem dá mais, pode mais, fala mais. Saudade da justiça capaz” (…) Ainda que hoje estejamos em risco mais objetivo que em momentos anteriores de nossa história, não é tempo de covardias ou veleidades. É também no passado que devemos buscar a inspiração daqueles que lutaram ao custo de suas próprias vidas, pela defesa de seus ideais e guiados pela voz interior que existe em todo aquele que mantém acesa a fé no futuro, com os pés fincados no presente. Em tempos em que a verdade soçobra e a justiça não é cega, a fala corajosa de Joana D’Arc diante de seus juízes deve nos inspirar: "Vós reconheceis os magistrados?”. A resposta de Joana foi, “Eu reconheço a Justiça”. Se não houver quem ombreie conosco na defesa da justiça, somos nós os defensores de nossa justiça e de nossa liberdade. O Brasil, pátria cristã, conservadora, herdeira de princípios de coragem e virtude, tem nesses valores o seu caminho e destino inevitável. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós”.(Mateus 5:6 e 5:10-12)

  • Direito natural, direito à vida e aborto

    Introdução Falar em direito natural implica na aceitação de que, em razão da própria natureza humana, há bens/atributos inerentes à própria ideia de pessoa. Os bens pertencentes à pessoa por tomar parte no seu ser (vida, liberdade, intimidade, etc.) geram para os outros o dever de respeito. Negar o direito natural, segundo HERVADA, é negar ao homem seu caráter de pessoa, o positivismo parte da ideia de que o homem é apenas um membro da espécie ou coletividade, a qual atribui alguns direitos sem outra base que não o consenso social, que é expresso através da lei. Esta negação implica em admitir que, antes da lei positiva em impossível a existência do direito e da justiça, pois todo o direito seria criação legislativa. No entanto, é impossível que assim seja, pois a juridicidade é um dado natural que serve de fundamentação à atividade legislativa. Logo, os direitos do homem preexistem ao direito positivo, estruturantes da sociedade, diretivos para os governos, alcançando caráter constitucional, e definidos, por isso mesmo, como direitos fundamentais. Não há como entender o direito, a justiça, a obrigação, sem referência à pessoa – fundamento do próprio direito. Em virtude da condição ontológica que é própria da pessoa, que se pode falar em algo justo, injusto, devido ou não devido. O domínio ontológico que pessoa exerce se orienta à obtenção dos fins a que está naturalmente ordenada. Para HERVADA, pessoa em sentido jurídico e pessoa em sentido ontológico são conceitos que guardam identidade, mais que isso, o primeiro conceito está contido no segundo. A condição ontológica de pessoa inclui a subjetividade jurídica, de modo que o conceito jurídico de pessoa não é outra coisa que o próprio conceito de pessoa no sentido ontológico – o conceito jurídico de pessoa manifesta o jurídico do ser humano. Postas estas premissas, buscar-se-á, no presente trabalho, estabelecer, através do direito natural, fundamentos para a defesa do direito fundamental à vida, especificamente diante do aborto. Para tanto, inicia-se por uma breve abordagem a respeito do embrião ou feto, sua caracterização do ponto de vista biológico, visando situar sua condição ontológica de ser humano; na sequência, busca-se determinar fundamentos que podem ser extraídos do direito natural para fundamentação do direito à vida; e, após, seguem-se observações finais, à guisa de conclusões. O embrião Embora se afirme que o embrião ainda não é uma pessoa humana, no sentido pleno da expressão, como também não é o recém-nascido ou a criança antes do uso da razão, é inegável que se trata de um “vivente” humano, eis que sua vida está programada para ser humana e desenvolver-se como tal. Nas palavras de JUNGES: “… pode-se dizer que o embrião, desde o primeiro momento, tem personeidade (estruturas antropológicas para tornar-se pessoa), mas ainda não pessoalidade (as estruturas ainda não foram levadas à expressão quanto ao sujeito). Em outras palavras, já estruturalmente pessoa, embora não o seja atualizadamente, porque a estrutura pessoal ainda não se desenvolveu plenamente, mas está programado para isso.” SERRÃO aponta três concepções principais no que se refere ao embrião humano: a primeira, similar à posição de JUNGES, no sentido de que se trata de um membro da família humana na primeira fase do seu ciclo vital e que chegará ao estado de pessoa; a segunda indicando que se trata apenas de um pouco de tecido, um aglomerado de células; e, por fim, a terceira, apontando que, satisfeitas determinadas condições, pode se desenvolver até ser humano, merecendo proteção de acordo com a fase de desenvolvimento em que se encontre. Consoante JUNGES, a defesa do respeito absoluto ao embrião não está no fato de ser pessoa, pois para tanto lhe faltariam requisitos, mas na sua “ascrição” ao gênero humano, na solidariedade ontológica de todos os seres humanos. Sobre “ascrição”, esclarece LEPARGNEUR: “’Pessoa’, resumidamente, é o indivíduo consciente, dotado de corpo, razão e vontade, autônomo e responsável. Salientamos a autonomia da pessoa como sujeito moral, porque aqui enxerta-se toda a tradição kantiana, ainda hoje importante na dinâmica do desenvolvimento da conscientização dos direitos humanos. É óbvio que, nem o embrião, nem sequer o feto, nem o louco que perdeu, de vez, o uso da razão e do juízo, nem o comatoso em fase final, responde a esta definição da pessoa. Então a pergunta é: em virtude de que podemos atribuir dignidade pessoal a estes seres que não se enquadram na definição comum e admitida de pessoa? A resposta da ciência atual é: pela ‘ascrição’, isto é, pela atribuição de certa dignidade pessoal, outorgada criteriosamente, a seres que julgamos merecedores dela, pela proximidade que intuímos desfrutar conosco, apesar de eles não satisfazerem os critérios da definição clássica da pessoa, sujeito racional, livrem autônomo e responsável. A ‘ascrição’ não resulta de uma decisão individual, mas de um juízo comunitário, cultural (do ethos), que admite o mais ou menos, porque toda participação admite o mais ou menos.” A solidariedade ontológica dos seres humanos se baseia na identidade de espécie, ou seja, seres humanos são gerados por seres humanos sexualmente diferenciados, havendo uma herança genética, relacional e cultural, a ser preservada e atualizada, que imbrica uma dívida de cada ser humano com os seus semelhantes. Dívida esta que aponta para o fato de que o desrespeito ao semelhante é desrespeito a si mesmo. A seu turno, a genética moderna veio a demonstrar que todas as células somáticas (como o próprio nome dá conta, constituem o “soma”, o corpo), sem nenhuma exceção, possuem o mesmo genótipo, têm a mesma informação genética. Assim, qualquer célula humana contém todo o DNA responsável pelo desenvolvimento do ser humano. Comprovado que o genótipo presente nas células somáticas é o mesmo presente no zigoto, evidencia-se não existirem diferenças de conteúdo genético entre o recém-concebido e o adulto, o que vem em reforço da referida identidade ontológica existente entre os seres humanos. A posição de LEJEUNE é ainda mais incisiva, no mesmo sentido, v.g.: “No princípio do ser há uma mensagem, essa mensagem contém a vida e essa mensagem é a vida. E se essa mensagem é uma mensagem humana, essa vida é uma vida humana.” De outro lado, há entendimentos em frontal antagonismo com o exposto, como se pode ver pelas posições expressas por SINGER, v.g.: “Se considerarmos ‘humano’ equivalente a ‘pessoa’, então a segunda premissa do argumento, que afirma que o feto é um ser humano, é claramente falsa, pois ninguém poderá argumentar, de forma plausível, que o feto seja racional ou autoconsciente. Se, por outro lado, o significado de ‘humano’ for apenas ‘membro da espécie Homo sapiens’, então a defesa conservadora da vida do feto se baseia numa característica desprovida de significação moral e, assim sendo, a primeira premissa é falsa. A questão já deveria a essa altura parecer-nos familiar: em si mesmo, o fato de um indivíduo ser, ou não, um membro da nossa espécie, não é mais relevante, diante do erro de matá-lo, do que o fato de ser ele, ou não, um membro de nossa raça.” Em relação a ser o feto um ser humano em potencialidade, SINGER oferece exemplos que afastariam essa possibilidade, tais como: “arrancar uma muda de carvalho recém brotada não é o mesmo que abater um venerável carvalho secular. Jogar uma galinha viva dentro de uma panela de água fervendo seria muito pior do que fazer a mesma coisa com um ovo.” Conforme AZEVEDO, Warnock estabeleceu distinção entre seres agentes ou responsáveis pela moralidade e os seres beneficiários desta, sendo que, considerados pessoas apenas os primeiros, isso implica que por pessoas seriam considerados aqueles que desenvolveram maturidade suficiente para serem responsáveis por seus atos e pelos demais; considerados, ao revés, os segundos, a questão está em definir se há diferenças de valor moral, ou não, entre eles. Do exposto, caracteriza-se o embrião, o feto, como um ser humano, uma vez que é gerado por pais humanos, possui genoma completo, funcionando como organismo integrado à mãe, exibindo, após o nascimento, comportamentos físicos típicos de um recém-nascido. O DNA humano, o genoma humano, identifica uma pessoa pertencente ao gênero humano e, portanto, constitui um signo “característico” e irredutível de humanidade, o que leva à adoção de medidas tendentes à proteção da dignidade do próprio genoma humano, inclusive através da Declaração Universal sobre o Genoma Humano. Ante estas ponderações, estariam afastadas eventuais dúvidas sobre o caráter de pessoa humana do ser que habita o ventre materno. O direito natural e a defesa da vida Quando se faz referência ao direito à vida, está se falando em direito à vida humana, portanto, refere-se a direito à vida pertencente aos membros da espécie humana, portanto, trata-se de pessoas. Aceito o fato de que todo ser humano é pessoa, é consequência lógica que esta têm direitos decorrentes dessa condição, ou seja, direitos humanos, dentre os quais se encontra, como o mais importante, o direito à vida. Somente os seres humanos, pela sua natureza são sujeitos desses direitos, que, por sua vez, encontram seu fundamento na dignidade da pessoa. Por óbvio, trata-se de uma realidade preexistente ao reconhecimento destes direitos, anterior, portanto, à sua positivação. Tem-se consciência da dignidade da pessoa, que não pode ser tratada de forma arbitrária, etc. pois é, objetivamente, um ser digno e portador de direitos decorrentes dessa dignidade, que são reconhecidos, mas não outorgados pela sociedade. O fundamento do direito à vida, da sua inviolabilidade, reside na dignidade da pessoa, que é própria do homem (de todo e de cada um), própria da sua natureza. A natureza do homem diz também com sua racionalidade, pela qual se compreende que a ação humana é dirigida à consecução de fins, fins naturais do homem, que abrangem a sua realização, sendo que o primeiro princípio que a racionalidade prática dita ao homem é aquele que provém da apreensão da natureza do bem. O termo dignidade está ligado, remotamente, ao termo grego “axioma”, que designa os pontos de partida absolutos, os axiomas gregos em latim passaram a ser designados “dignitates”, não seno surpreendente que Tomás de Aquino manifeste-se no sentido de que dignidade significa a bondade de alguma coisa por si mesma, a sublime bondade que corresponde ao absoluto, a sublime modalidade do bom. Como consequência, Tomás de Aquino estabelece como primeiro princípio, do qual derivam os demais, “fazer bem e evitar o mal”. Assim o bem tem natureza de fim, ou seja é o fim ao qual se inclina o homem. Tomás de Aquino distingue as tendências naturais do homem em três grupos: as próprias de todo o ser, as que compartilha com os animais e as propriamente racionais; identificam-se, respectivamente, com a conservação do seu próprio ser, com a tendência de preservação da espécie e a tendência a conhecer a verdade a respeito de Deus e a viver em sociedade. Assim, no caso do direito à vida, poder-se-ia dizer que é um bem para o homem a conservação da vida e não é bem atentar contra ela. Para defender o direito à vida, Tomás de Aquino, portanto, em oposição ao homicídio, ao aborto, etc., argumenta que a razão natural dita ao homem que não faça injustiça a ninguém, portanto os preceitos que proíbem causar danos dizem respeito a todos. A partir do princípio primeiro – se deve fazer o bem e evitar o mal – é o mesmo de que parte a Nova Escola de Direito Natural, especialmente JOHN FINNIS, que considera que o direito das pessoas se fundamentam nos denominados “valores básicos”, que se referem a aspectos fundamentais do bem estar dos homens. Esses valores básicos são as formas básicas de realização humana plena como bens que devem ser buscados e realizados. Esses valores básicos são bens que aperfeiçoam o homem e lhe conservam vivendo em sociedade e resguardam sua dignidade. Esses bens básicos seriam: a vida; o conhecimento; o jogo; a experiência estética; a amizade,; a racionalidade prática; e a religião. Estes são bens em si mesmos, não meios, não supõem uma hierarquia entre si, sendo moral aquela ação que contribui para o desenvolvimento destes valores, cujo reconhecimento da validade moral é consensual, o que leva a uma análise do homem em sua integralidade e numa perspectiva de sua integração social. Para alcançar tais bens, evidentemente, tem-se precípua a vida, ou seja, a existência do próprio ser. Trata-se, portanto do bem fundamental, necessário para uma autêntica realização do ser humano. Disso se pode concluir que o respeito à vida humana não pode basear-se somente na inclinação natural à sua preservação, mas, o fundamento desse direito e consequente reconhecimento dever correlato, está ligado à consideração da dignidade da pessoa. De outro lado, o bem vida não pode servir de meio para outros fins, ou seja, nenhum bem pode ser alcançado mercê do sacrifício de um ser humano. São a dignidade da pessoa e o somatório de todos os bens que levam à realização do ser humano, que estabelecem o dever absoluto do respeito ao bem básico humano – a vida. Sobre o tema, reproduz-se parte do voto de JULIO S. NAZARENO, Ministro da Corte Suprema Argentina, em julgamento de um caso de pedido de autorização de aborto de um feto considerado anencefálico; “En lo que respecta al sub judice el derecho de la madre a obtener la paz a la que aspira debe integrarse correlativamente com el de la persona por nacer pues esa es la regla hermenéutica a la que corresponde atenerse toda vez que ‘El cumplimiento del deber de cada uno es exigencia del derecho de todos. Derechos y deberes se integran correlativamente en toda actividad social y política del hombre... Los deberes de orden jurídico, presuponen otros, de orden moral, que los apoyan conceptualmente y los fundamentan’ (conf. Preámbulo de la Declaración Americana de los Derechos del Hombre). Es que, com acierto expressa Ihering ‘Nadie existe sólo para sí, como tampoco por si sólo; cada uno existe por y para los otros, sea intencionadamente o no ... La vida es una respiración incesante: aspiración, espiración; esto es tan exacto como la vida física, en la intelectual. Exisitir para outro, com reciprocidad casi siempre, constituye todo el comercio de la vida humana. La mujer existe para el hombre, y éste a su vez para la mujer; los padres existen para los hijos; y éstos para aquéllos’ (von Ihering, Rudolf ‘El fin en el derecho’, Bibliográfica Omeba, Buenos Aires, 1960, pág. 40 ver el punto ‘La vida en sociedad: cada uno por los otros y para los otros’). Los conceptos expuestos no tienen outro propósito que el de dar respuesta a las posiciones de las partes determinando que no existe un derecho absoluto e incausado a la propria determinación o a la autorización de una medida tan extrema como la que aquí se solicita, máxime cuando ni siquiera se han acreditado los supuestos de hecho que la tornarian procedente desde el próprio punto de vista de la amparista.” Tem-se, pois, inadmissível qualquer desrespeito à vida, em qualquer estágio de desenvolvimento ou circunstância, pois este bem humano é uma norma moral, de direito natural, que não admite exceção. Pois os preceitos da lei natural movem os homens no sentido de respeitar e promover o bem em si mesmo e no outro. Para FINNIS, o reconhecimento deste e de outros bens básicos humanos são identificados nos direitos humanos, que são direitos baseados em bens intrínsecos da pessoa humana e que representam a expressão clara da justiça numa coletividade. Conclusão O problema de nossos dias é que, cada vez mais e das mais diversas formas se tem ameaçado o direito à vida, especialmente no que diz com a vida do nascituro. Há uma prodigalidade na edição de legislações que atentam contra a vida desde os momentos iniciais da gestação. Nesse aspecto, o direito natural tem assinalado o caráter incondicionado do direito à vida, em especial do nascituro, e do dever de respeito a esse direito, pois uma sociedade só pode ser considerada justa e democrática quando respeita e reconhece os direitos humanos, especialmente o mais básico deles, que é o direito à vida, classificando-o como direito humano por excelência. No caso específico do Brasil, é necessário levar em conta a ordem constitucional vigente que impede a aprovação de legislação que permita o aborto, embora existam projetos de lei tramitando no Congresso Nacional com este objetivo. A Constituição Federal no art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, e, mais, o §3º, do mesmo artigo, declarou que os tratados internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados pelo Congresso Nacional, equivalem a emendas constitucionais, ou seja, são parte da Carta Magna, inserindo-se, pois, como direitos e garantias fundamentais, aquelas tratadas nos referidos tratados. O art. 60, §4º, inc. IV, da Constituição Federal do Brasil prevê que não será objeto de deliberação proposta tendente a abolir direitos e garantias fundamentais, as chamadas Cláusulas Pétreas. O Brasil é signatário do Pacto de São José, cujo art. 4º, assegura que toda a pessoa tem direito à vida, sendo este direito protegido pela lei desde a concepção. Portanto, ante o Pacto de São José da Costa Rica, combinado com os termos constitucionais, não é possível o aborto. Claro, pois, que projetos de lei permitindo ou descriminalizando o aborto ferem a ordem constitucional, pois violam direito fundamental – a vida. No Estado Constitucional, os valores que a sociedade tem por relevantes são assumidos pela Constituição, refletindo as suas convicções. Os valores mais altos, do ponto de vista ético e moral, são aqueles reconhecidos pela Carta Magna, que os alçou à condição de princípios fundamentais que irão informar toda a legislação nacional, não podendo ser contrariados ou desrespeitados. O direito à vida, como direito fundamental, é garantido a todo ser humano, desde a concepção até a morte, portanto, assegurado também ao nascituro (tanto que o próprio Código Civil Brasileiro, em vigor, em seus artigos 2º e 4º, garante seus direitos desde a concepção). Não há, portanto, espaço para a legalização do aborto, que é verdadeira pena de morte ao nascituro, especialmente em face do que dispõe a Constituição Federal Brasileira, o Pacto de São José da Costa Rica e o Código Civil. Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. I N.º 09 - ISSN 2764-3867

bottom of page