Ser ouvido
- Danielly Jesus

- 20 de ago.
- 3 min de leitura

No dia 18 de julho foi aniversário do meu filho. Em uma comemoração simples, reuni em casa alguns poucos parentes com bolo e salgadinhos. Um desses parentes é meu primo pequeno, de apenas oito anos, filho da minha prima mais nova.
Em um certo momento da festinha, ele me aborda e pergunta: "O que você sabe sobre deuses gregos?" Confesso que a pergunta me pegou de surpresa. Afinal, nos dias de hoje, não é com frequência que uma criança dessa idade se interesse por mitologia. No máximo, quer um livro de colorir da moda.
Neste momento, minha tia (avó dele) falou "Que besteira!". E meu pai destacou: "Quero é pix!"Contudo, minha irmã e eu saímos em defesa do primo: "É bom que ele se interesse por isso", disse minha irmã. Eu salientei: "Não acho errado ele demonstrar interesse por mitologia, pelo contrário! Ele vai aprender muito!" Porém, meu primo seguiu sendo ignorado. E isso me fez pensar.
"Meu Deus, eu ouço meu filho, eu presto atenção no que ele gosta. Como que meu primo não é ouvido?", refleti no meu íntimo. E, no meu caso, há o plus do autismo. Mais do que ninguém, eu conheço a criança da minha casa e faço questão de incentivá-lo.
Por conta do autismo, Renato, meu filho, possui hiperfoco em veículos. Então, o ânimo em seu gosto peculiar: assistimos vídeos de trajetos inteiros de trens e ônibus no Youtube, compro ônibus de brinquedo (que, inclusive, ajudam em momentos de crise quando estamos na rua) e, de vez em quando, saímos para dar uma volta de BRT. E já tomei conhecimento de uma feira de ônibus antigos que ocorre de tempos em tempos, somente aguardando a data para que possa levá-lo.
Aproveitei o hiperfoco para desenvolver sua leitura. Embora sempre me visse com um livro na mão, Renato rejeitava a ideia de ler. Era só eu me aproximar com o livro da escola que a crise era certa. Então, aproveitei o hiperfoco a meu favor.
O primeiro livro que comprei para ele se chama "Meus primeiros veículos". Renato praticamente decorou, ao ponto de eu mesma aprender.
Voltemos ao caso do meu primo: embora não tivesse nenhum livro à mão sobre mitologia grega, já sei onde encontrar um exemplar sobre o tema. Eu o ouvi e vou atender a esta voz.
Muitos de nós que nos autodeclaramos direitistas e conservadores e declaramos guerra automática contra Paulo Freire e companhia ilimitada, fazemos militância contra as telas, exaltamos a educação clássica e tantas outras coisas.
Mas será que ouvimos nossos filhos? Quantos de nós estamos, de fato, prestando atenção nos interesses deles? Será que não estamos fazendo da nossa ideologia uma muleta para não tocarmos na real ferida?
É fácil produzir vídeos, adquirir cursos e tantas coisas mais porque isso abafa a problemática real: não queremos assumir a nossa responsabilidade. Reclamamos dos progressistas, que insistem na terceirização do ensino, mas agimos tal qual a eles, quando perguntamos a terceiros como agir em nossa própria casa.
Ao invés de maratonar horas e horas de conteúdo de "influenciadores", mais produtivo é desligar os aparelhos e levar as crianças para brincar na terra. Mais sábio é levar os filhos ao parque e ensinar sobre a vida. Mais inteligente é levar as crianças à igreja e ensinar sobre a santidade. Não há dinheiro no mundo que pague essa aproximação com nossos filhos.
Ainda sobre o corrido com meu primo e após comentários dos parentes: imediatamente lembrei do saudoso professor Olavo, que disse:
“Todo mundo sabe que brasileiro é o povo mais dinheirista do mundo. Não se pode dizer que ele só pensa em dinheiro porque ele também pensa em sexo. Mas se tirar o sexo, só pensa em dinheiro. Ou como dizia o Millôr Fernandes, ‘Ele pensa em falta de dinheiro.’ Então são pessoas obcecadas. E isso aí é um dos motivos do atraso brasileiro" (True Outspeak, 12-03-2007).
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 56 edição de Julho de 2025 – ISSN 2764-3867





















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