Quando a ordem natural é subvertida
- Neto Curvina
- 17 de out.
- 9 min de leitura

Se o mundo fosse um lugar onde a racionalidade e o senso de proporções imperassem, poucas coisas – ideias, em especial – resistiriam a alguns simples testes de realidade. Não há nada mais eficiente para avaliar uma ideia (ou ideologia, mesmo) do que observar seus extremos: de onde ela veio e o que ela produziu. Tivéssemos essa capacidade, o comunismo, por exemplo, já teria se transformado em objeto de escárnio por boa parte do mundo civilizado, e não ensinado em salas de aula como a solução para as desventuras sociais pelas quais o planeta passa desde que o mundo é mundo.
Deveria ser assim sempre: onde e como isso surgiu, e o que produziu de concreto. Mas, infelizmente, não é assim. Uma parte considerável da humanidade é movida pela sede de poder, pela ganância, pela ambição, pela inveja e por um materialismo descontrolado que mantém de pé todo o sistema que convencionamos chamar de globalista, que manipula de forma sagaz todas as nossas medíocres e peculiares fraquezas, em especial, a vaidade. Quando John Milton, que na verdade é o próprio Satanás, personagem vivido por Al Pacino em “O Advogado do Diabo” (de 1997, dirigido por Taylor Hackford e distribuído pela Warner Bro.), diz no final do filme que a vaidade é o seu “pecado favorito”, ele está revelando a principal ferramenta de controle e manipulação que usa para tornar o mundo um lugar pior a cada dia. É a confirmação da máxima do Rei Salomão que, em forma de alerta, disse: “Tudo é vaidade”, expressão que repete várias vezes no Livro de Eclesiastes. Salomão, homem mais sábio que já existiu, entrou e saiu do sistema. E uma das finalidade desse livro sapiencial é mostrar que ele – o sistema – não vale a pena.
Entretanto, toda essa indústria de ilusões não poderia funcionar sozinha sem um suporte sofisticado e capilarizado em todos os setores das sociedades. Uma estrutura insuspeita que foi concebida e é a cada dia mais aperfeiçoada, para garantir que o sistema se mantenha no poder e deixe cada vez mais estreito o campo de ação para qualquer tipo de resistência, mas sem chamar a atenção para isso. Uma arma discreta, perfeitamente disfarçada de modo a parecer à parte de tudo isso, mas que dia após dia garante a eficiência e – o pior – a permanência dos poderes que controlam a humanidade. Algo que se infiltrasse nos sistemas legais internacionais e fosse aos poucos corroendo as estruturas que formam a criação e a aplicação de leis, de modo a sempre blindar aquilo que fosse conveniente para a manutenção do controle.
Mas, para que possamos entender esse intrigante e sombrio horizonte, precisamos antes compreender um pouco sobre a natureza das leis, não sob a ótica fria de um materialismo fabricado sob encomenda, mas sob a ótica da preservação da humanidade a partir dos elementos indispensáveis para sua a sobrevivência e continuidade. Porque uma coisa é sobreviver a algo, e outra, é permanecer vivo.
A primeira barreira a ser transposta é a da “ordem natural das coisas”. Podendo significar muita coisa ou quase nada, essa expressão curiosamente expõe uma ideia de contradição em si mesma: que existe uma ordem e, portanto, algo ordenado, ao mesmo tempo em que essa ordem é natural, ou seja, é intrínseca à natureza das coisas. Uma ideia que nos ocorre quando olhamos para o mundo à nossa volta além dos homens, com toda a sua complexidade cíclica e ininterrupta, que faz sempre a lua crescente vir depois da lua nova, e o verão após a primavera. É o que temos: a natureza além dos homens é perfeitamente ordenada em qualquer uma de suas dimensões cósmicas. É natural, portanto, essa ordem. Mas por que isso se torna uma barreira a ser transposta? Por conta de uma questão lógica: a ordem não surge por acaso, é necessário que alguém a estabeleça, caso contrário o caos se impõe no ambiente. Mas se eu preciso combater a ideia de uma “ordem natural” e tudo o que dela deriva, ainda que com intermináveis evidências, o que eu preciso fazer não é combater o ordenamento, mas o “alguém” que o gerou. E por isso cada geração tem a sua tentativa de impor uma “Nova Ordem Mundial” que, no fundo, é a tentativa de remover a causa primeira do ordenamento e tudo aquilo que possa ser usado para defendê-la ou subsidiá-la dialeticamente. Então toda a ideia de sociedade como a Ordem Natural das Coisas concebe, dever ser subvertida, deturpada, desconstruída e, por fim, submetida. E isso deve acontecer em todos os níveis existentes de uma sociedade, por isso revoluções após revoluções têm reescrito a histórias das nações de modo a adequá-las a um (admirável) mundo novo, onde o relativismo moral e espiritual dita as regras de cada setor, se subdividindo em intermináveis ideologias e sistemas políticos, que têm como alvo final arrancar o homem da Ordem Natural das Coisas e remodelá-lo à imagem e semelhança de anjos caídos, alijado de freios éticos e cercas de proteção intelectual.
E então temos as narrativas. Essa importante ferramenta de manipulação funciona desde os tempos imemoriais, quando, segundo Josefo, Ninrode prometia aos que trabalhavam na construção de sua torre, em Babel, proteção contra o “tirano” que havia devastado o mundo com um dilúvio há pouco tempo (Flávio Josefo. A História dos Hebreus.). A cada nova era, cada nova geração, uma narrativa após a outra é engendrada com o intuito óbvio e direto de afastar Criador e criatura, em um ataque contínuo e sistemático à tradição judaico-cristã. Cada nova era tem o seu Ninrode. E nem precisa ser um exímio historiador ou um teólogo habilidoso para constatar essa realidade. Basta observar o gradativo e constante declínio moral e espiritual pelo qual a humanidade passa, enquanto a sabedoria original é posta de lado, e narrativas que se travestem de ideologias hostis a ela e teorias críticas avançam sobre toda a estrutura de formação de pensamento que se tem notícia. É preciso adentrar os centros “científicos”, e dar a essas narrativas roupagens de igual natureza, para que o sistema possa inseri-las na sociedade sem ser incomodado. O comunismo não deixou de ser “utópico” para ser “científico” por acaso. Ele precisava ser ensinado nas escolas e universidades como algo além do empírico, em contraponto com os textos sagrados, que passaram a ser tratados como lendas, fábulas, anacronismos e mitos. Ter fé passou a ser sinal de ignorância ou superstição, andar conforme a Lei de Deus, começou a ser tratado com desdém e deboche. A “onda” é ser “descolado” ou “antenado”, sem freios e sem limites. Pouco a pouco todos os elementos essenciais para uma boa educação foram sendo defenestrados dos sistemas educacionais. Disciplina, leitura sistemática, bibliografia rica, avaliações rígidas, “decência e ordem” (I Coríntios 14:40.), hierarquia, valores, enfim, todo o escopo educacional que produzia alunos de verdade, foi substituído por uma linha de produção de militantes globalistas, de modo que hoje, somente no Brasil, 3 em cada 10 brasileiros são considerados analfabetos funcionais. Na última avaliação do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, sigla em português), entre 81 países avaliados, o Brasil ficou na 65ª posição em matemática, 53ª em leitura e 61ª em ciências. Mas que ninguém se iluda ou entre em pânico, porque isso encerra duas realidades, sendo que a primeira é: vai piorar. E a segunda: tudo isso foi precisamente calculado por aqueles que tomaram o poder desde a redemocratização, no final dos anos 80.
E por que vai piorar? Porque quem tomou o poder precisa de uma sociedade cada vez mais ignorante e alijada do componente espiritual para poder continuar controlando-a. E para isso conta com o poderoso aporte de um sistema que controla mídias, multinacionais, meios de comunicação, sistemas educacionais, “ciências”, políticos, legisladores e qualquer outra instância que possa ser útil para o seu intento. Quando o Espírito Santo revela que “O mundo inteiro jaz no maligno” (I João 5:19.), é disso que ele está falando.
As revoluções e a Institucionalização do antinatural.
Após a era das grandes revoluções, que fizeram a transição entre as idades históricas, até meados da Revolução Russa, o mundo ainda era um lugar de tensões possíveis, então era preciso encarcerar futuras tentativas de ruptura. Os revolucionários sabiam que poderiam ser vítimas do próprio veneno, e se apressaram em redesenhar os arcabouços políticos e ideológicos do Ocidente, a partir de ideias e “teorias” travestidas de “justiça social” e, quado sobrava espaço, de “ciência”, um argumento milenar que, trabalhado de forma eficiente, junto ao medo, produz uma turba patética de fantoches, reciclada de rupturas anteriores. É como diz Gasset: “A rebelião das massas é a mesma coisa que o fabuloso crescimento que a vida humana experimentou no nosso tempo. Mas o reverso do mesmo fenômeno é aterrador; visto por esse lado, a rebelião das massas é o mesmo que a radical desmoralização da humanidade” (Ortega Y Gasset. A Rebelião das Massas.). Ou seja, era preciso institucionalizar a “anti-rebelião”, criar mecanismos dentro dos Estados, disfarçados sob o manto da “legalidade”, que tornassem o ato de não se adequar à narrativa revolucionária, não apenas uma ameaça, mas um crime. E, diga-se de passagem, não se adequar à narrativa revolucionária nem de longe se resume à ideia de uma contrarrevolução, mas abarca todo o universo herdeiro da tradição judaico-cristã e, consequentemente, um universo conservador. Os homens não são cristãos porque são conservadores, é exatamente o contrário. Mas isso também, em algum momento, seria criminalizado de forma velada.
O que se viu foi a criação de um monstrengo que atende pelo nome de juristocracia. Uma ideia de contornos sombrios, assim nomeado pelo cientista político canadense Ran Hirschl, que consiste na transferência de poderes em um estado democrático de direito – ou não necessariamente – para o seu judiciário. É o que em último caso passou a ser chamado de “ditadura da toga”. Essa ideia, supostamente recente, não tem nada de nova, mas, é claro, se intensificou de forma mais contundente no Ocidente globalizado, onde os poderes que operam além das fronteiras internacionais controlam governos inteiros, direta ou indiretamente. A juristocracia é a arma que o sistema usa para determinar o que é ou não é crime de acordo com a narrativa que lhe é mais conveniente. Esse enredo, que mais parece um roteiro saído de uma ficção de Orwell, Huxley ou Wells é algo cada vez mais vivenciado por nações que lutam para se reconhecerem como democráticas. Em países como Venezuela e Nicarágua, por exemplo, isso não é mais necessário.
“A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer” (Rui Barbosa)
Obviamente era preciso construir não somente a estrutura jurídica para fazer o mecanismo juristocrático funcionar, mas também a estrutura legal. O direito tal qual conhecemos, em si, carece de precisão, posto que se sustenta em dois pilares absolutamente subjetivos: convencimento e entendimento. Quando Bobbio diz que “não há porque ter medo do relativismo” (Norberto Bobbio. A Era dos Direitos.), ele sabe exatamente o que pretende. A priori, pensa-se que se trata de uma mera questão dialética, mas não é. Como se diz nos dias de hoje no debate cultural: “Há método”. Relativismo e subjetivismo andam de mãos dadas com sua mamãe conveniência. E a essa família se submete os conceitos de convencimento e entendimento. E todo esse rio caudaloso deságua no que conhecemos como Lei Positiva, a matéria-prima da juristocracia, como bem observa Geisler: “O ‘prisma legal’ da lei positiva, portanto, se carateriza por dois princípios centrais: 1) não há nenhuma ligação necessária entre moralidade e lei; e 2) a validade legal é determinada em última instância em relação a certos fatos sociais básicos. Isto faz que a lei positiva seja subjetiva, porque ela se baseia em normas sociais relativas que diferem em várias culturas, experiências e situações. Os defensores da lei positiva insistem em que a lei é determinada pela humanidade e, portanto, as autoridades humanas são soberanas sobre ela. Este entendimento da lei conduz à ideia de que a humanidade também é soberana sobre a vida e determina o seu valor.” (Norman Geisler. Fundamentos Inabaláveis.). Notaram alguma semelhança com “Meu corpo, minhas regras” ou “Você pode ser o que quiser”, transformados em algum tipo espúrio de legislação e criminalizando qualquer um que pense o contrário? Entenderam agora o que está protegendo as “teorias críticas”? As mentes por trás deste desastre vão de Nietzsche, com seu niilismo, até o utilitarismo de Bentham e John Stuart Mill, e claro, com a devida contribuição “científica” de Darwin e Marx. O sistema é tão bruto, que cuidou em transformar em lenda urbana as teorias de que nazismo e fascismo só foram possíveis graças ao positivismo. Sim, claro, tudo teoria da conspiração, sem dúvida. Mas só para quem ainda não se debruçou para fazer o contraponto necessário entre o positivismo e a tradição judaico-cristã, e perceber que, assim como Marx, Conte desenvolveu uma, digamos, corrente filosófica, para afastar as pessoas da sua fé. Qualquer um que conheça os fundamentos de uma ou de outra corrente, e não perceber que o alvo, no final das contas, é a fé tradicional, talvez precise olhar de novo como mais calma.
Em suma, toda a estrutura pós-moderna está sustentada em pilares globalistas anticristãos, enquanto vende a imagem de “tolerante”, “democrática”, “sustentável” e preocupada com o bem-estar social. É essa mesma estrutura que gera projetos diabólicos como uma agenda que tem como mote “Você não terá nada e será feliz”, e que, como diz Paulo, ao se referir ao anticristo e sua obra: “se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora…” (II Tessalonicenses 2:4.). E logo, logo, mais cedo do que se imagina, será (será) crime previsto em lei – ou talvez nem seja preciso – se opor a ela.
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 58 edição de Setembro de 2025 – ISSN 2764-3867





















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