As luzes da Revolução Francesa
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As luzes da Revolução Francesa

As chamas infames que incendiaram Paris e o mundo



Como nos diz a história dos feitos ocorridos na França, a 14 de julho de 1789, a prisão mais conhecida entre os franceses: La Bastille, ou a Bastilha como conhecemos, foi invadida pelos revolucionários e assim essa data marca o início da Revolução Francesa, comemorada ainda hoje como ‘o dia da revolução’.

A Revolução durou aproximadamente dez anos e marcou os rumos político e social das sociedades em quase todo o mundo. Seu legado influencia ainda hoje o pensamento contemporâneo e quanto aos seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, quem haveria de questionar como símbolos de governos democráticos? Quem sabe possamos tomar a liberdade (ainda possível) para levantar questões, apontar contradições e apresentar algo de diferente aos leitores. Consideraremos que os elementos factuais que marcaram a revolução, acessíveis ao conhecimento do público em geral, não estarão elencados de maneira completa nesta análise.

A França ao tempo do rei Luiz XVI era um estado monárquico absolutista, no sentido em que não possuía o sistema de freios e contrapesos que compõem o estamento administrativo dos governos atuais. É fato que a condição socioeconômica de parte do que se convencionou chamar de “terceiro estado”, designação dada ao maior contingente da população onde se concentravam a burguesia, profissionais liberais, intelectuais, camponeses e trabalhadores urbanos, não era boa. Em verdade, os setores mais afetados pela crise de produção de alimentos, pela crise econômica e elevadas taxas de impostos, eram os camponeses e trabalhadores urbanos.

Usualmente encontramos na literatura a respeito do movimento revolucionário de 1789 – literatura de viés marxista - ideias que nos induzem à conclusão de que o povo (como um todo) se levantou contra a opressão de seu governante. Dentro do terceiro estado, a classe propulsora do movimento foi a burguesia. Classe dividida entre “alta burguesia” e ‘baixa burguesia’, respectivamente ‘girondinos’ e ‘jacobinos’. Obviamente, os interesses da burguesia diferiam diametralmente dos interesses dos camponeses e trabalhadores urbanos. Enquanto os primeiros almejavam participação ativa no cenário político, os últimos tinham necessidades mais prementes, como o sustento familiar e a subsistência individual.

Não é crível que a burguesia, que conseguia a manutenção de seus orçamentos através do comércio e dos negócios, sejam os burgueses desde pequenos comerciantes até banqueiros, estivessem raivosos à frente de uma turba de famintos avançando sobre as ruas de Paris. Muito mais plausível que camponeses e trabalhadores urbanos tenham protagonizado a revolução, mobilizados pela intelectualidade revolucionária. Nos bastidores porém, é aceitável supor que os mentores intelectuais, burgueses de alto nível intelectual manipulassem a opinião pública por meio da propaganda e da agitação popular, auxiliados por jornais e panfletos da época.

Uma questão muito comentada na atualidade são as supostas notícias falsas ou fake News. Também naqueles dias agitados de Paris as notícias falsas acabaram por precipitar os fatos. Um jovem de nome Camille Desmoulins, identificado como jornalista ou advogado (dependendo da fonte), teria incitado a multidão que circulava pelas ruas em busca de informações. Segundo a fala atribuída a Desmoulins, as tropas reais estavam na iminência de promover um massacre contra a população parisiense. Na verdade, não havia planos nesse sentido, apenas movimentação de tropas pela cidade, o que deu força ao discurso. Foi o bastante! Seu discurso inflamado diante do Palais Royal fez com que populares buscassem armamentos e munições onde fosse possível. Segundo as informações que circulavam, a Bastilha guardava boa quantidade de pólvora e para lá seguiram.

O suposto símbolo maior do Estado opressor e primeiro alvo dos ataques, a antiga prisão da Bastilha, iniciou sua história como portal de acesso à região de Saint-Antoine em Paris. Com a Guerra dos Cem Anos (1337 a 1422), sofreu ampliações tornando-se uma fortaleza que visava proteger o lado leste da cidade. A partir do século XVII tornou-se uma prisão. Estes elementos históricos são de fácil consulta em enciclopédias, livros didáticos ou internet, mas o que chama a atenção nos dados disponíveis é a situação em que se encontrava a prisão no dia de sua tomada. Segundo algumas fontes, mantinha sete prisioneiros, outras porém, indicam apenas três, sendo dois loucos e um prisioneiro interditado pela própria família por dilapidar os bens familiares.

A prisão contava com oito torres, quinze canhões, tendo apenas três em condições de uso no momento da invasão. Sua guarnição, segundo consta, era formada por 82 inválidos de guerra e 32 guardas suíços contratados. Pela descrição da condição de sua guarda, não resta dúvida de que eram precárias as possibilidades de defesa. Outro ponto chama a atenção: 114 guardas (ainda que em sua maioria inválidos), contando com apenas três canhões funcionais e armamento em número incerto para manter sob cárcere entre três ou sete prisioneiros. Definitivamente os números são inconsistentes e não sustentam a versão de uma prisão símbolo de um Estado opressor, tampouco de uma tomada heroica por parte da população parisiense. Onde estariam os presos políticos, os dissidentes, os devedores de impostos, os pobres e oprimidos da Bastilha?

Consideramos também, analisar nesta reflexão histórica o ideal revolucionário: liberdade, igualdade e fraternidade. Soa aos ouvidos como um canto vindo dos céus, trazendo boas novas e promessas de eterna felicidade aos homens. Todavia, há que se considerar os resultados do processo revolucionário e confrontá-los com os ideais propostos. Mais de dez mil mortos em tribunais revolucionários e estimativas que indicam até quarenta mil mortos se consideradas as chacinas promovidas por populares. Se os ideais eram sinceros, a revolução falhou miseravelmente em sua missão; se servira apenas de instrumento para encantar a população e induzi-la à rebelião, denuncia a vileza de suas lideranças. As palavras que compõem o ideal revolucionário parecem vagas quando confrontadas com o desenrolar dos fatos. Liberdade para que? Igualdade para quem? Fraternidade em que sentido?

Segundo um dito popular, mesmo um relógio parado marca as horas corretamente duas vezes. A revolução nos legou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Em seus dezessete artigos, forma uma coletânea de direitos que garante aos homens (e só a eles) direitos e garantias iguais e forma a essência do artigo 5º da nossa Constituição de 1988. Indiscutível que seus belos preceitos são uma evolução e um digno legado para a humanidade. Quanto à sua aplicação em favor de seus contemporâneos não se pode dizer que tenha sido útil. Os tribunais arbitrários negavam aos seus réus os direitos que a Declaração propunha. A marca das contradições é impossível esconder. O período conhecido como “O Terror”, tendo Robespierre à frente, comprova a loucura e violência a que se entregaram as lideranças em favor de um único objetivo: o poder.

Em 1791, a atriz e escritora Olympe de Gouges redigiu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Sua ideia foi das mais louváveis, pois buscava equiparar em direitos os homens e as mulheres. Seu destino, todavia, foi lamentável. Sua pretensão foi rejeitada e em 1793 Olympe foi guilhotinada.

Quando o caos social, político e econômico trazido pela revolução chegava ao seu limite extremo, quando as invasões estrangeiras ameaçavam os interesses revolucionários, a França se entregou à condução do general Napoleão Bonaparte. Inegavelmente seu talento militar e visão estratégica reequilibraram as forças, reorganizando o país. Porém, como previsto por Platão, a democracia conduzida pelos demagogos, que em seu sentido clássico eram representantes do povo, pelo povo escolhidos e que governavam segundo os interesses do povo, daria lugar a uma tirania pelo excesso de liberdades ao povo concedida. Os tiranos, cujos poderes seriam ilimitados regulariam arbitrariamente as liberdades. Assim, a França que se erguera contra o absolutismo monárquico de Luiz XVI, cai em uma tirania por meio de Napoleão.

Na Revolução Francesa estiveram presentes os ideais iluministas de Rousseau, Voltaire e Montesquieu. O Iluminismo, identificado como “o século das luzes” pôs em questão os caracteres milenares da cultura judaico-cristã, alicerce das sociedades de sua época – e ainda muito fortes entre nós – e apresentou em oposição sua mentalidade racional-materialista que incita no ser humano sua autodeterminação e negação de qualquer ideia que transcenda a existência física. Assim, não era estranho que, as fortes críticas dirigidas à igreja, à propriedade privada e aos governos, excitassem as mentes contra um sistema que lhes pariu, alimentou e educou.

As contradições existentes na sociedade, o egoísmo e o abuso de poder político-econômico pelas monarquias absolutistas e igreja, são elementos que se encontram no bojo dos debates iluministas. Justificariam então as ações perpetradas pelos revolucionários franceses e estariam sintetizadas no rótulo já citado anteriormente de “liberdade, igualdade e fraternidade”. O rótulo em si contém um modelo abstrato de justiça, facilmente utilizável em propósitos outros que não os mais virtuosos. A destruição das estruturas político-sociais sob a alegação de construção de uma República que defendesse a democracia levou à degeneração tirânica. O homem que caminhava sobre a Terra com os olhos voltados ao alto, tendo na igreja - ainda que eivada pelos erros dos seus zeladores - a porta de acesso ao divino, passa a ter no Estado e na razão os seus deuses.

Allons enfants de la patrie, le jour de gloire est arrivé! Contre nous, de la tyrannie l'étendard sanglant est levé...”. “Avante filhos da pátria, o dia da glória chegou! Contra nós, o estandarte sangrento da tirania se levanta...”.

A Revolução Francesa, antes de ser um movimento de libertação de um povo, foi a concretização e elevação de uma nova visão de mundo que apenas transferia privilégios de uma classe a outra, no caso da aristocracia para a burguesia. Ainda que tenhamos apontado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pontos de avanço, a revolução com seu conjunto de ideais abstratos e a ideologia iluminista que a apoiava, trouxeram mais danos que se poderia supor. Morte, degradação da cultura milenar em favor do secularismo e afinal, a manutenção do estado das coisas.

“Tudo deve mudar para que tudo fique como está” (Il Gatopardo, Giuseppe Tomasi di Lampedusa).

Não se trata de revisionismo histórico vazio, mas da justa observação das relações de causa e efeito, e da comparação dos ideais das sociedades do passado com seu legado. A História não é nem nunca foi um monólito, e a razão apartada da sabedoria que transcende o elemento material é vã e passageira como os homens que as pregam.

Ainda há tempo para reparar os danos e corrigir a rota. Do conservadorismo devemos aprender a conservar o que é bom, reformar o que está danificado ou causa dano. Valorosamente devemos ir ao covil dos lobos que se banham no sangue dos incautos e então, armados com a prudência das serpentes e a simplicidade das pombas construir um novo reino, onde as tradições e a verdade pavimentem a estrada do nosso futuro.

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