A Revolução que calou os altares
- Juliette Oliveira
- 13 de ago.
- 3 min de leitura

A Revolução Francesa, ocorrida entre 1789 e 1799, é frequentemente apresentada como um marco de progresso, símbolo da luta pelos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade. No entanto, ao analisar com profundidade os eventos que marcaram sua relação com a Igreja Católica, percebe-se uma face contraditória e sombria: os mesmos revolucionários que proclamavam os direitos universais foram também responsáveis por uma intensa perseguição religiosa, que culminou em massacres, exílios e execuções de padres, freiras e fiéis leigos.
A Igreja Católica, até então uma das instituições mais influentes da França, possuía vastas propriedades e uma forte presença no cotidiano dos franceses. Não obstante, foi rapidamente associada ao Antigo Regime pelos líderes revolucionários e acusada de conivência com a opressão aristocrática. A imposição da Constituição Civil do Clero em 1790, que obrigava os sacerdotes a jurar fidelidade ao Estado, acentuou essa tensão. Aqueles que recusaram, tornaram-se inimigos da Revolução e foram rotulados como “refratários”, alvos preferenciais do novo regime. A perseguição se intensificou com o Reinado do Terror, entre 1793 e 1794, período em que milhares de religiosos foram presos e executados, muitos deles guilhotinados publicamente apenas por defenderem sua fé.
A contradição entre os ideais proclamados e as ações praticadas torna-se evidente ao se observar que, apesar da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão garantir a liberdade religiosa, na prática houve o fechamento de igrejas, proibição de cultos, destruição de símbolos religiosos e substituição do cristianismo pelo culto à razão. Cerimônias públicas passaram a entronizar alegorias como a "Deusa Razão", inclusive dentro da Catedral de Notre-Dame, o que revelou uma tentativa explícita de apagar a influência espiritual da sociedade francesa.
A resposta da Igreja Católica foi marcada por resistência e resiliência. Muitos padres continuaram a celebrar missas clandestinas, sustentados por fiéis que recusavam abandonar sua fé. O Papa Pio VI, em 1791, condenou oficialmente a Constituição Civil do Clero, criando um cisma entre os padres que aceitaram o juramento e os refratários. Religiosos exilados mantiveram vínculos com comunidades de fé fora da França, enquanto os que permaneceram tornaram-se, aos olhos de muitos, mártires da liberdade espiritual. Exemplos emblemáticos dessa perseguição incluem as 16 Carmelitas de Compiègne, guilhotinadas em 1794 por manterem a vida conventual em segredo, e os massacres de setembro de 1792, que vitimaram centenas de padres e religiosos encarcerados.
A violência revolucionária atingiu um nível tal que o uso contínuo da guilhotina gerou consequências físicas no espaço urbano de Paris. Relatos históricos indicam que o sangue das vítimas escorria entre os paralelepípedos das ruas, impregnando o solo com um odor tão forte e persistente que, anos após o fim do Terror, foi necessário refazer as calçadas para eliminar o fedor das execuções. A guilhotina, inicialmente idealizada como símbolo de igualdade na morte, transformou-se em instrumento de opressão brutal e de propaganda do medo.
Diante desses fatos, impõe-se uma reflexão inevitável sobre a natureza humana e a essência das revoluções. Todo movimento social, está sujeito à contaminação por interesses particulares, vinganças e disputas de poder. A imparcialidade é uma ilusão, e a justiça proclamada em discursos muitas vezes contradiz-se na prática. A perseguição aos religiosos na Revolução Francesa revela que a liberdade não era para todos, a igualdade não contemplava os que pensavam diferente, e a fraternidade excluía os devotos da fé cristã.
O legado da Revolução Francesa, portanto, é ambíguo. O discurso de liberdade, igualdade e fraternidade era belo e atraente, mas, na prática, existia um palco de violências atrozes em nome da razão e do progresso. A Concordata de 1801, assinada por Napoleão Bonaparte, representou uma tentativa de reconciliação ao restaurar parte da liberdade religiosa, ainda que sob o controle do Estado.
Reconhecer as contradições da Revolução é essencial para compreender que a verdadeira liberdade só existe quando há respeito pela diversidade de crenças, e que qualquer sociedade que suprime vozes dissidentes em nome de uma verdade única corre o risco de repetir os mesmos erros sob novas bandeiras.
Qualquer semelhança é mera coincidência.
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 56 edição de Julho de 2025 – ISSN 2764-3867





















A análise da perseguição religiosa na Revolução Francesa contém fatos históricos precisos, mas a interpretação final carece de nuance histórica e ignora dimensões fundamentais do processo revolucionário.
Sim, a Revolução cometeu crimes em nome da razão, como todas as transformações violentas da história (Reforma, Contrarreforma etc.).
E não, isso não invalida seu caráter progressista pois ela destruiu o feudalismo, inaugurou a modernidade política e expandiu liberdades civis.
A verdadeira lição que fica é que revoluções podem ser desviadas por radicalismos, mas seu valor deve ser julgado por seus princípios fundadores e impacto histórico duradouro, não apenas por seus excessos momentâneos. A menção final ("qualquer semelhança") revela um reducionismo perigoso, que é equiparar a luta contra privilégios feudais a contextos atuais…