Um copo mais do que cheio
A parábola do anfíbio na panela nos conta que o animal se encontrava em uma água de temperatura agradável, sentindo-se confortável permanecia aproveitando a situação, todavia, a panela em que estava sobre o fogo e a água, lentamente, era aquecida. A pobre criatura permanecia em sua posição sem perceber que a temperatura se elevava, seu trágico destino era traçado sem que pudesse notar o perigo.
Quando finalmente percebeu que a água estava a lhe cozinhar, o anfíbio não tinha mais meios de escapar, o processo de cozimento avançará sem ser percebido e o animal fora pego de forma gradual, porém, muito mais eficaz.
Ao menos, a criatura pode ser considerada como uma vítima de sua ignorância, incapaz de observar o cenário ao seu redor, foi destruída sem, de fato, compreender a complexidade da armadilha na qual cairá. Como qualquer vítima de um esquema elaborado, o animal perecerá por não ter vislumbrado à intenção daquele que criou a armadilha.
Tal parábola só pode ser invocada para explicar o que acontece com aqueles que ignoram a natureza maligna dos revolucionários, os camponeses ou operários que outrora acreditaram nas mentiras de líderes nefastos que prometiam ser a revolução o meio para transformar o mundo em um paraíso imaginado, ou melhor, apresentado tão somente para seduzi-los. Por outro lado, aqueles que se curvam aos ideais totalitários nos dias atuais, em que a informação descentralizada permite avaliar diversas versões acerca de determinado tema, tornam-se reféns conscientes de suas escolhas, salvo pelos que são, literalmente, desprovidos de acesso à informação. Necessário, portanto, separar os que, como o anfíbio, são consumidos por não saber o que de fato acontece ao seu redor, daqueles que assumem uma postura de subserviência por conta de sua causa, ainda que seja uma subdivisão da causa central que é a revolução.
Ao que não consegue enxergar o mal na revolução, ignorando os sinais das ações de mestres e asseclas, por mais que um dito grupo minoritário defenda posições que nitidamente se opõem, tão somente para arregimentar tropas em favor dos interesses de seus senhores, os menos atentos ignoram que a vassalagem aos líderes revolucionários asfixia até mesmo as pautas mais caras aos interesses da alegada minoria. Citar exemplos como os das feministas que não se opõem, por vezes até apoiam, o avanço do ativismo LGBT sobre os esportes feminino, os quando a liderança do movimento LGBT se coloca favorável ao Hamas, o Irã, a Rússia e a China, mesmo sabendo o tratamento dispensado aos que “pertenceriam” a tal grupo minoritário, servem para apresentar a dissonância cognitiva explícita dos revolucionários.
Evidente que a mentalidade revolucionária, sendo relativista, necessariamente negará a realidade, sendo, portanto, incoerência em essência, chocando-se diante da flagrante incompatibilidade entre suas pautas que buscam apenas cativar os incautos e os gananciosos, razão pela qual, não há como evitar a autodestruição dos revolucionários.
O maior flagelo daqueles que se opõem a realidade é ter que enfrentar o mundo e o mal que ajudaram a tirania a construir.
Ignorando a realidade, os incautos acabam se tornando presas fáceis para os agentes da revolução, como o anfíbio que não percebe o aumento gradual da temperatura da água, entretanto, os que ecoam as vozes dos líderes revolucionários são os verdadeiros prisioneiros do mal que alimentam. Um indivíduo que abraça as pautas revolucionárias, em razão do relativismo, justamente por encontrar conforto na mentira agradável que lhe cativou, tornar-se-á escravo de sua própria trilha, buscando o falso paraíso prometido, que diz retorcer a realidade para adaptá-la aos anseios humanos, acabando sua trajetória em um inferno cruel no qual a verdade o cobrará por ter edificado sobre mentiras.
Ao defender o indefensável, os arautos da revolução precisam negar os fatos ainda que lhes sejam esfregados nas fuças. O totalitarismo avançar simulando legitimidade, aquecendo a água lentamente, contudo, há aqueles que laboram de forma consciente para a instauração de um regime autoritário, na maioria das vezes, acreditando que tomaram parte na mesa do banquete revolucionário, todavia, a maior parte dos servos conscientes da tirania, que delegam cada vez mais poderes aos déspotas, tendem a fazê-lo pela ganância, buscando a recompensa imediata, uma vez que, não são tão alheios à realidade ao ponto de acreditar nas fábulas ora invocadas pelos tiranos, tais como o comunismo, logo, pretendem aproveitarem-se do poder de ser o “amigo do rei”, sufocando seus desafetos e atendendo seus anseios por mais transloucados que sejam.
Podemos observar, por exemplo, um canal de mídia que, vendo sua audiência se esvaziar em busca de outros interesses ou fontes de informações, busca, com a ajuda da tirania, esmagar outros canais de comunicação ou entretenimento. Igualmente, um grupo autointitulado minoritário, confere poderes aos déspotas, assim, uma vez atendida a sua intenta por meios coercitivos, podem apresentar “resultado” a seus seguidores, imaginemos o quão grato é alguém que acredita ter conquistado algo em razão de uma intervenção de seus líderes junto ao poder, ou mesmo, quem acredita ser algo que não é, poder compelir toda a sociedade a curvar-se diante de sua vontade irreal através da força, criminalizando qualquer um que ouse lhe dizer uma verdade desagradável.
O que não é perceptível, em um primeiro momento, é que o aquecimento da água, fator de aumenta a sensação de conforto, será a ruína daquele que nela se banha, ou seja, a tirania atende os anseios da turba como forma de corromper seus integrantes, mas tão logo receba poder demais, aquecerá até cozinhar todos aqueles ao seu alcance.
Assim, a ditadura, também chamada de regime desagradável e autoritário, tentou se disfarçar de uma democracia, acusando todos que apontavam seus arroubos autoritários de agentes a serviço dos Estados Unidos da América ou conspiradores, “fascistas”, termo ressignificado para denegrir opositores, e antidemocráticos, ao passo que aumentava a temperatura e começa a cozinhar os desavisados.
Fora das garras do regime chavista é possível acusar, com razão, o Governo Maduro de totalitário, entretanto, uma vez dentro das fronteiras da Venezuela, apontar os fatos pode render uma reação contundente da ditadura socialista.
Após o episódio, que a ditadura venezuelana tentou tratar como um pleito no qual o povo teria legitimado o Governo Maduro, restou cristalino que o regime chavista não conserva quaisquer relações com uma democracia. A incapacidade do regime ditatorial em convencer o próprio povo e o restante do mundo de que as eleições foram limpas, de maneira que Maduro seria o governante legítimo, somada a repressão aos que questionaram a resultado, deixou evidente que tudo que se viu foi uma simulação fracassada na qual a ditadura não conseguiu esconder sua verdadeira natureza.
Como se os podres do regime chavista estivessem despercebidos, no momento atual, muitos que antes fingiam cegueira, agora acusam Maduro de ter se tornado um ditador cruel, entretanto, parte prefere, de forma indecente, transferir o tirano para outro espectro político, como outrora fizeram com o nazismo. Alegando que o regime venezuelano se parece mais com os opositores ao socialismo, em verdade, acusam qualquer um que se insurge contra o socialismo latino-americano de antidemocrático e autoritário, rotulando falsamente seu opositores daquilo que são. Basta observar como Maduro e Ortega, ditador da Nicarágua, se comportam e restará evidente que o grupo ligado a ambos comunga de seus ideais, apenas, não estão nas mesmas condições de tirarem o véu.
Tentar ignorar os arroubos totalitários, ainda que aplicando uma ótica relativista, deixando de enfrentar a realidade para ressignificar tudo em nome do interesse próprio é como não perceber que um copo mais do que cheio transbordará o líquido mesmo que se tente conter o derramamento pela força de uma lei, decisão ou mera vontade da autoridade. É impossível conter a força da realidade por mais que seja de interesse de um grupo, logo, chamar violações de ações aceitáveis em defesa daquilo que é naturalmente ilegítimo, como uma ditadura que insiste em se autodeterminar como democracia e avança quando sua real natureza é exposta. Evidentemente, tratamos de nossa vizinha Venezuela, país em que questionar aquilo que se chamou de eleição ou mesmo a ditadura em si, pode resultar em prisões, de maneira que, os cidadãos daquele país vivem sob a ameaça de prisão política com penas que podem ultrapassar uma década de encarceramento.
O copo, mais do que cheio, continua transbordando e há quem, mesmo vendo as violações escancaradas, continue tentando ver que o “regime desagradável” ainda pode ser considerado dentro dos limites.
Parece ridículo que ainda existam figuras capazes de tentar justificar um estado de coisas em que pessoas sejam perseguidas por opiniões, que o tirano no poder possa, rasgando a lei e todas as garantias processuais, perseguir desafetos ou mesmo considerar que seus opositores praticam crimes dotados de tamanha abstração que podem ser atribuídos a qualquer um, pois dependem do querer daquele que pode decidir.
Alguns transloucados assumem que há excesso por parte da ditadura, mas tentam barganhar, apenas com sua própria lucidez, se é que lhes resta alguma, que medidas autoritária servem para preservar a alegada democracia, sugerindo que a liberdade de expressão serve ao imperialismo de grandes potências, o que na verdade, se resume a manter as pessoas sujeitas à ditadura em uma espécie de cercado, privados de informações livres da influência do governo enquanto a mídia associada à tirania faz uma clara propaganda do regime. Desenhos em que Maduro é uma espécie de super-herói são métodos de propaganda totalitária que tentam reforçar o culto a personalidade do ditador como é feito nos países totalitários em regra, vide os exemplos da União Soviética, Alemanha Nazista, Coreia do Norte, Cuba e China, em que os líderes alegavam ser defensores da ideia ingerência externa.
De fato, na Venezuela, assim como nas demais ditaduras, o copo está mais do que cheio, o rei está nu e não há como cobri-lo, nos resta, todavia, olhar como está o nosso copo e ver em que nível estamos.
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 45 - ISSN 2764-3867
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