A lentilha e a picanha
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A lentilha e a picanha

E o preço de vender a alma


Tinha Jacó feito um cozinhado, quando, esmorecido, veio do campo Esaú. E lhe disse: Peço-te que me deixes comer um pouco desse cozinhado vermelho, pois estou esmorecido.
Daí a chamar-se Edom. Disse Jacó: VENDE-ME PRIMEIRO O TEU DIREITO DE PRIMOGENITURA.
Ele respondeu: Estou a ponto de morrer; DE QUE ME APROVEITARÁ O DIREITO DE PRIMOGENITURA?
Então disse Jacó: Jura-me primeiro. ELE JUROU E VENDEU O SEU DIREITO DE PRIMOGENITURA A JACÓ.
Deu, pois, Jacó a Esaú pão e o cozinhado de lentilhas; ele comeu e bebeu, levantou-se e saiu. Assim, desprezou Esaú o seu direito de primogenitura.” (Gênesis 25.29-34)

Os pais hebreus tinham por costume abençoar o filho mais velho antes de falecer. Esta bênção era a maior herança que o primogênito poderia receber, inclusive muito mais importante do que dinheiro ou bens que recebesse como herança. A bênção patriarcal era o que norteava a vida daquele filho por toda sua vida, e ele deveria transmiti-la para seu descendente.

Esaú não estava pensando no amanhã, mas em apenas saciar sua fome naquele momento. Quantos não agem assim nos dias de hoje? Vivemos em um mundo onde cada vez mais o imediatismo se faz presente; o clássico “Os Dez Mandamentos”, de 1956, seria execrado nos dias de hoje simplesmente por ter mais de três horas de duração. Afinal, se um vídeo dura mais de 1 minuto é considerado “filme” por esta geração tik toker, e áudios dessa proporção são considerados podcasts. Contudo, como aquele velho e conhecido refrão, “O apressado come cru”.

Há quem leia a história de Esaú e pense “Meu Deus, que tolo! Como ele trocou algo bom por comida?? Ele não ia sentir fome de novo depois?? A benção era eterna!!”. Pois bem, estes mesmos são aqueles que trocam o certo pelo duvidoso, e que nas eleições, trocaram a certeza de crescimento econômico por “picanha”.

Paulo Guedes, exímio especialista em Economia, conseguiu colocar o Brasil nos trilhos novamente. Infelizmente, ainda havia muito o que fazer, pois a máquina pública brasileira é enorme; fora o fato de que enfrentamos pandemia e guerra. Porém, mesmo com todas as adversidades, o país se saiu melhor que muitos que conhecemos ser de primeiro mundo. Isso porque Guedes é a experiência encarnada, alguém que sabe do que fala e entende das consequências de uma economia concentrada no Estado.

Contudo, de maneira geral, o brasileiro é um ser imediatista; e a falta de instrução política adequada fez com que o povo pensasse que Jair Bolsonaro não fez nada esses quatro anos de mandato. Então, Lula (o encantador de serpentes, como diz Ciro Gomes) seduz este povo com um discurso: “Se eu for eleito, você vai voltar a comer picanha e tomar sua cervejinha!”

Mas oras, nesses quatro anos o brasileiro trabalhador não comeu? Como carioca, sei que em quase todo jogo do Flamengo o churrasquinho e a bebida estão presentes (e olha que sou tricolor!). É só aparecer um feriado para que, no dia anterior, os supermercados estejam lotados de homens (que quase nunca tem paciência de enfrentar filas para fazer compras com suas esposas) empurrando carrinhos lotados de lotes de cerveja e carne para, no dia seguinte, reunirem amigos e família para comer.

Contudo, o discurso imediatista, fácil e que satisfaz a alma agrada aos ouvidos. De onde virá o dinheiro para a tal picanha? Não sei, mas sei que vai ter; de onde virá o recurso para aumentar o salário mínimo? Não sei, mas sei que vai ter aumento; quem vai pagar a conta de aumento de ministérios para trinta e três? Não sei, mas tem que ter o tal Ministério da Igualdade Racial, dos Povos Indígenas, da Cultura. E assim seguem pensando apenas no agora, e nunca nas consequências desses atos.

Quem “fez o L” na esperança de comer picanha, lamento, mas ela ficará só na imaginação: é porque a tal picanha era uma METÁFORA (figura de linguagem que produz sentidos figurados por meio de comparações):

Já pensou ter que explicar para um marmanjo de quase 30 anos que ‘picanha e cerveja’ é uma metáfora? Que não é sobre beber e comer churrasco, é sobre o pobre voltar a comer bem, ter poder de compra e lazer. É sobre o próximo parar de comprar osso ou procurar comida no lixo”

Mas, agora já era: a alma já foi vendida; e tal qual Esaú, o povo brasileiro perdeu a bênção de continuar com uma gestão equilibrada, sensata, que não prometia tudo, mas que cumpria tudo o que prometia.

E esse discurso de inchaço da máquina pública já está cobrando (e com juros) o seu preço: A bolsa de São Paulo fechou em queda e o dólar subiu nesta quinta-feira (10), após declarações de Lula, que alimentaram temores sobre o aumento sem controle dos gastos públicos. Mas, cadê Armínio Fraga? Onde está Elena Landau? E Meirelles? Eles não fizeram o L? Por que eles não estão felizes com isso? Ah, eles foram os que venderam sua alma por um prato de lentilha... ops! Por um espetinho de picanha!

O Ibovespa, principal índice da Bolsa de São Paulo, fechou em queda de 3,61%, em uma sessão que chegou a operar em baixa de mais de 4%. Enquanto isso, o dólar comercial chegou a R$ 5,39, em alta de 4,10%, a maior desde março de 2020, segundo o jornal Valor Econômico.

Contudo, no momento em que o mercado está gritando por socorro, eis que Lula solta esta pérola:

Nunca vi um mercado tão sensível como o nosso. É engraçado que esse mercado não ficou nervoso com quatro anos do [governo] Bolsonaro”

Será que esta instabilidade não se deve ao fato de que sem um firme fundamento econômico qualquer país se torna um risco para investidores? Ah, mas não ia ter picanha? E a cerveja? Ah, então está tudo certo, né?

A vida de Esaú foi conturbada até o fim, e seus descendentes (os edomitas) tornaram-se, mais à frente, inimigos do povo de Israel, ou seja, dos filhos de Jacó. E tudo começou com um prato de lentilhas, aparentemente saboroso, mas que custou um preço alto demais. Infelizmente, mais de sessenta milhões de brasileiros fizeram o mesmo ao elegerem quem lhes prometeu algo que nunca se cumprirá. Esaú, ao menos, pôde comer. A picanha de quem fez o L, porém, ficará apenas na imaginação.



Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. I N.º 23


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